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Pequenas lições de grandeza

Em Seis Propostas para o Próximo Milênio, palestras que pronunciaria durante o ano letivo de 1985-86, na Universidade de Harvard, se a morte súbita não inter­rompesse sua obra, Ítalo Calvino, o grande escritor italiano nascido em Cuba, tratou de objetos literários que gostaria que a humanidade preservasse na nova era.

Trata-se de uma das mais belas coletâneas de pensamento a respeito da complexidade das estruturas narrativas. Apesar de o foco centrar-se nos valores literários, não há como deixar de projetar seu engenhoso ideário para o campo da vida social e política.

Na trilha das propostas, roguemos que os nossos governantes e políticos tor­nem-se compromissários do valor da leveza, o primeiro dos seis. Diante da consta­tação amarga de que o esforço do governo para resgatar nossa economia não tem quase alterado o mapa do desemprego e melhorado a vida da população, nossas preces apelam para que o país seja capaz de iniciar a correção da monstruosidade registrada pelo IBGE: o rendimento total dos 10% mais ricos é superior à soma dos 80% mais pobres; em 2018, o rendimento médio mensal do 1% da classe mais rica do país foi de 27.744 reais, enquanto os 50% mais pobres tiveram rendimento médio de 820 reais, valor 33,8 vezes menor que os mais abastados.

Não se exige a leveza literária dos termos do escritor italiano, mas a leveza de um cotidiano tranquilo, menos inseguro, mais farto na cozinha, prazeroso, menos cáustico. Não dá para postergar. A vida é cada vez mais breve. As coisas precisam ser feitas com urgência. Não esperem os governos pelo último ano das administrações.

Já o segundo valor, a rapidez, preenche as expectativas das ruas, sendo a res­posta que o povo quer nesse ciclo de explosão das comunicações. Brasileiros estão cansados de ouvir a lenga lenga dos idos dos nossos bisavós, que, por décadas, ouviram a cantilena de políticos: “Vamos construir a Pátria dos nossos filhos”.

Urge reconstruir a Pátria, já, sem delongas. O amanhã é hoje e pede soluções para cidades de todos os tamanhos devastadas pela incúria de más administrações. Lincoln ensinava: “Podeis ludibriar uma parte do povo durante o tempo todo, ou o povo duran­te algum tempo; mas não podereis ludibriar todo o povo durante todo tempo”.

O Brasil que ressurgiu da eleição de outubro de 2018 espera por exatidão, esse valor tão massacrado nesses tempos de fake-news. Precisamos banir do nosso di­cionário o refrão nazista de que uma mentira repetida três vezes torna-se verdade no quarto relato. Precisamos banir perfis inescrupulosos, a mentira, a promessa mirabolante, a hipocrisia do crocodilo que, chorando, atrai a presa para devorar.

Bobbio, outro italiano, em sua obra, chama a atenção para dois fenôme­nos adversos e estritamente ligados: o poder oculto ou que oculta, isto é, que se esconde, escondendo.

As malhas do poder invisível carecem ser escancaradas. Daí a necessidade de darmos força à visibilidade para se possa acreditar nos governantes e nos repre­sentantes do povo. O País não aceita viver sob dois Estados, o visível e o invisível, este operado por estruturas corrompidas, gabinetes secretos, decisões políticas longe dos olhares do público. O “poder mascarado” produz metástases que maltra­tam a alma da Nação.

Nossa cultura miscigenada abriga valores nobres da vida – o respeito, a leal­dade, a fé, o companheirismo, a dignidade, a ética. Há uma vontade plural no país que merece ser respeitada.

Trata-se, assim, de observar e promover a multiplicidade (o quinto valor) dos sujeitos, das vozes, dos olhares sobre a nossa realidade. A pluralidade étnica, social, econômica e cultural do País constitui referência para o planejamento e administração de políticas públicas. Essa visão múltipla sobre o País recomenda a mobilização de todas as classes e categorias profissionais, atribuindo-se a cada uma seus deveres e direitos.

A última lição de Calvino trataria do tema da consistência. Nesse caso, fiquemos com sua intenção de resgatar o valor da responsabilidade nas atitudes e ações, que implica seriedade, densidade, peso. O contraponto é a improvisação, a irresponsabilidade, a tibieza.

O Brasil, ao final de segunda década do novo milênio, precisa resgatar o valor da humanidade, esse que mereceu de Confúcio a máxima: “a humanida­de é mais essencial para o povo do que água e fogo. Vi homens perderem suas vidas por se entregarem à água ou ao fogo; nunca vi alguém perder a vida por se entregar à humanidade”.

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