Juristas afirmam que a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que a resposta a uma radicalização da esquerda pode ser via um “novo AI-5”, fere a Constituição e pode justificar uma abertura de processo de cassação do mandato no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Partidos da oposição afirmaram que farão esse pedido nos próximos dias.
Os especialistas, no entanto, afastam a possibilidade de uma responsabilização criminal do deputado por causa da declaração. “Recebo essa manifestação com dupla preocupação. De um lado, com o grau de desconhecimento jurídico que ela revela, na medida em que um ato institucional é uma quebra da ordem democrática. Em segundo lugar, me preocupa o fato de que essa é uma declaração de um deputado eleito que tem dentre os seus deveres preservar a ordem constitucional e não promover uma proposta de quebra desta mesma ordem”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques.
Para Azevedo, uma vez que a declaração seja confirmada como uma afronta à ordem constitucional, Eduardo pode ser alvo de um processo de cassação de seu mandato. O diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Mamede Said Maia Filho, também ressalta que a fala contraria a Constituição. “Do ponto de vista político, ela (a declaração de Eduardo) contraria a Constituição, o sistema democrático e compromete a própria natureza do Estado brasileiro. O texto constitucional fala que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. É algo que afronta as instituições”, diz.
Já Belisário dos Santos Jr., advogado e ex-secretário de Justiça de São Paulo, afirma que considera difícil que o deputado seja responsabilizado criminalmente. “A responsabilização pessoal dele eu acho de certa forma difícil do ponto de vista criminal, porque ele está falando em hipótese”, explica. No entanto, considera que a declaração fere “profundamente” a dignidade e o decoro da Câmara. “O deputado jurou à Constituição Sob esse ponto de vista ético, acho que ele pode ser responsabilizado”, afirmou.
O Ato Institucional nº 5 foi o mais duro instituído pela ditadura militar, em 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus. A partir da medida, a repressão do regime militar tornou-se mais dura.
A Constituição de 1988 rejeita instrumentos de exceção e destaca, em seu primeiro artigo, como um de seus princípios fundamentais, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, e também garante aos parlamentares imunidade parlamentar. Segundo o texto constitucional, os congressistas são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. No entanto, isso não impede que um deputado seja responsabilizado por alguma declaração. Em junho de 2016, por exemplo, a Primeira Turma do STF aceitou denúncia contra o então deputado federal Jair Bolsonaro por dizer que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não “merecia ser estuprada” por ser “muito feia” e porque ela “não faz seu tipo”.
Partidos de oposição anunciaram, na tarde desta quinta-feira, 31 de outubro, que vão entrar com um pedido na Comissão de Ética da Câmara de cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro. Além disso, o grupo formado por PSOL, PT, PSB, PDT e PCdoB vai protocolar uma queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) alegando quebra de decoro parlamentar.
O presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, Juscelino Filho (DEM-MA), afirmou que qualquer pedido de cassação contra o líder do PSL na Casa seguirá o rito “normal”. Juscelino Filho classificou as declarações de Eduardo Bolsonaro como “graves”. “Eu vejo essas declarações como muito grave assim como qualquer brasileiro, como qualquer homem público. Nós representantes do Congresso, vemos essa fala como algo grave”, afirmou o parlamentar.
Desculpas
Depois da repercussão contrária, o deputado pediu desculpas por suas falas. “Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira – mesmo eu não fazendo parte do governo – está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando”, disse, em entrevista por telefone à TV Bandeirantes.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou que falou para o filho tirar a “palavra AI-5” do vocabulário dele. Bolsonaro afirmou que não se deve discutir “picuinhas”. “Vamos tocar este barco, que o Brasil tem tudo para dar certo”, disse, em entrevista ao programa “Brasil Urgente”, da TV Bandeirantes. Ele declarou que não se deve ficar nos “assuntos menores”. Mais cedo. O presidente disse: “Quem está falando sobre AI-5 está sonhando”.
E emendou: “Não existe. AI-5 é no passado, existia outra Constituição, não existe mais. Esquece. Vai acabar a entrevista aqui”, afirmou. Bolsonaro sugeriu que o próprio filho fosse cobrado. “Cobrem dele (Eduardo). Quem quer que seja que fale em AI- 5, está sonhando. Tá sonhando! Tá sonhando! Não quero nem ver notícia nesse sentido aí”, disse o presidente.
Várias autoridades e instituições repudiaram a declaração de Eduardo Bolsonaro: o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF); o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz; a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) – da qual Duarte Nogueira Júnior (PSDB) faz parte da diretoria; o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e partidos como o MDB, PSDB, Novo, Republicanos e o próprio PSL de Bolsonaro, entre outros.