Até a segunda metade do século XX, os professores lecionavam que o homem e a sua existência tinham três dimensões. Altura, largura e profundidade. Em seguida acrescentou-se o fator tempo. O homem era alto, largo, profundo e temporal. Como a sua existência.
Um pouco antes, Elliot professava a idéia segundo a qual o tempo passado e o futuro compunham o presente, daí a incompossibilidade de a Alice, no país das maravilhas, chegar ao roseiral visto mas jamais vivido.
O argentino Jorge Luís Borges sustentava algo parecido ao afirmar que o tempo era uma ilusão humana. Confessou que ao passar por uma das esquinas, supostamente de Buenos Aires, ao lembrar-se de Helena, concluia que “não se pode lamentar a perda de um grande amor ou de uma intensa amizade, sem antes admitir que só se perde aquilo que nunca se teve”.
Devo registrar que o filósofo José Feres Sabino, conhecedor da matéria de mão e sobremão, demonstrou-me que a bela frase não foi originariamente escrita por Borges, mas, sim, por outro seu conterrâneo menos conhecido. Até Borges andou fazendo umas coisas dessas! O texto recebeu o nome de “Nova Refutação do Tempo” e se encontra no livro “Outras Inquisições”.
As mais recentes vozes, manifestadas após Steve Jobs, argumentam que a eletrônica venceu a barreira do tempo que, desta forma, matando-o. O homem moderno estaria ligado a todos os acontecimentos históricos imediatamente, vale dizer, no momento de sua ocorrência. Citam como exemplo a destruição das Torres Gêmeas, fato presenciado por todo mundo no exato momento do atentado.
No entanto, a visão do fato, fiquemos com as Torres Gêmeas, ainda quando instantânea, foi testemunhada por sua imagem, vale dizer à distância, o que altera profundamente a sua percepção. A famosa Alice, no país das maravilhas, também vê o roseiral no tempo presente mas não consegue vencer a distância de sua separação. E a distância torna-se assim um instrumento de alteração do conhecimento, ainda quando o presente traga consigo o passado e o futuro pressentido.
Os cavernosos de Platão, que conhecem o mundo exterior pelas sombras projetadas não o enxergam, mas, sim, as suas imagens lançadas na parede.
Por este ângulo, a eletrônica exibe imagens e vozes do mundo inteiro, mas, com certeza, não faz do expectador um participante do fato histórico. O meu aparelho de TV é a minha caverna. Tenho sempre que me lembrar que as imagens por ele projetadas não são o mundo exterior mas apenas as imagens do mundo exterior. O que certamente confere à distância uma forma muito especial de filtro para compreender o tempo e a sua história.