Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), o Brasil é o segundo país do mundo em número absoluto de transplantes. É também, de acordo com o Ministério da Saúde, o maior sistema público de transplantes do mundo. Atualmente, cerca de 95% dos procedimentos realizados em todo o país são financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nos últimos cinco anos foram realizadas 1.453 cirurgias de transplantes no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, sendo 283 somente em 2018.
No ano passado, a ABTO estimava que 39.663 pessoas estavam na fila esperando por um transplante de órgãos. Já o número de transplantes realizados no país, em 2018, somou 22.668 casos. No ano passado, a maior fila era por córnea, estimada em 18.689. Em Ribeirão Preto, não há essa fila, graças a uma campanha realizada na década de 90 pela Rede Ideal de Assistência Familiar.
Para o médico Valter Garcia, editor do Registro Brasileiro de Transplantes, além de membro do Conselho Consultivo da ABTO, o ideal seria que o número de transplantes no país fosse o mesmo do que a quantidade de pessoas nas filas. Mas a condição ideal não existe em qualquer país do mundo. “A Espanha está próxima disso, mas não alcançou ainda. Estamos fazendo [no Brasil] 60% dos transplantes de rim que precisamos, 38% dos transplantes de fígado, menos de 20% dos transplantes de coração e 10% dos transplantes de pulmão que precisamos. Estamos ainda muito longe, mas estamos aumentando”, disse.
Segundo ele, essa condição aumentaria de duas maneiras. A primeira, ampliando o número de doadores. A segunda, melhorando a utilização dos órgãos doados. “E isso é um pouco mais difícil, porque se uma pessoa doa os órgãos em Santarém, que está a mil quilômetros de distância de Belém ou de Manaus, e nenhum desses lugares faz transplante de pulmão ou de coração, teria que ir para alguém de Brasília. Daria para ir buscar o fígado, mas não daria para buscar o pulmão ou o coração, cujo prazo é de quatro horas para eles serem retirados e implantados. Teria que ter um centro de pulmão e de coração na Região Norte e não temos”, exemplifica.
Número do Ministério da Saúde
De acordo com o Ministério da Saúde, a doação de órgãos, tecidos e células realizados no país no primeiro semestre deste ano cresceu em comparação ao mesmo período do ano passado. O balanço desse período mostrou que houve crescimento de transplantes considerados mais complexos, ou seja, dos mais difíceis de serem realizados devido a aspectos como o tempo curto entre retirada e implante de órgão, estrutura do hospital e equipe especializada.
Os transplantes de medula óssea aumentaram 26,8%, passando de 1.404 para 1.780. Já os transplantes de coração cresceram 6,3%, passando de 191 para 203. Também tiveram aumento transplantes de pâncreas-rim (45,7%), passando de 46 para 67; e pâncreas isolado (26,7%), que cresceu de 15 para 19 transplantes.
Houve uma pequena queda no número de transplantes realizados no primeiro semestre de ano, que somaram 13.263, em comparação ao mesmo período do ano passado, de 13.291.
“Ribeirão de Olho no Guinness” zerou fila por córneas em Ribeirão
Em 1995 a Rede Ideal de Assistência Familiar lançou uma campanha ousada: colocar Ribeirão Preto no Guinness Book como a cidade com mais doações de córneas.
Os resultados foram altamente expressivos. Com investimentos em capacitação profissional e campanhas de conscientização, a empresa conseguiu zerar a fila por transplantes de córneas até hoje.
“Entendemos que a campanha foi extremamente positiva. Hoje Ribeirão Preto pode ser considerada referência em relação às doações de córneas e isso nos enche de orgulho”, diz Leonardo Rosa (foto), diretor da Rede Ideal.
Transplantado e uma vida normal
O administrador de empresa, Heverton Gomes Cano, de 39 anos, é um dos casos de transplantado e que leva uma vida normal. Em agosto de 2011, fez um transplante de rim. Oito anos depois, toma medicamentos regulares e faz visitas trimestrais ao médico, mas nada que o impeça de realizar as atividades do cotidiano.
“Fiz transplante renal intervivos, meu irmão me doou um rim, pois, por falta de controle da pressão arterial e provavelmente excesso de medicamentos para emagrecer e anti-inflamatórios, desenvolvi insuficiência renal crônica”, conta. Heverton fez hemodiálise por três anos, depois de outros cinco anos de tratamento de manutenção com dieta.
Ele não entrou na fila de transplante. “Eu era obeso, não receberia o rim, então fiz uma cirurgia de redução de estomago e já caminhamos para o transplante com doação do meu irmão”, salienta. Ele lembra que do dia da cirurgia ao retorno do trabalho foram 25 dias.
Hoje a meta dele é perder peso. “É o principal fator de risco”. Há oito anos, com a bariátrica ele saiu de 148 kg e chegou aos 90 kg, quando transplantou. “Depois o médico disse que eu ganharia um pouco de peso, por conta dos remédios e da liberdade que teria com a alimentação”. Dito e feito. Atualmente pesa 112 kg (1,78m). “Hoje minha vida é normal, inclusive com umas cervejas no cardápio”, brinca.
Principal motivo para a não doação é a negativa familiar
A negativa familiar é um dos principais motivos para que um órgão não seja doado no Brasil. No ano passado, 43% das famílias, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), recusaram a doação de órgãos de seus parentes após morte encefálica comprovada.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, no ano passado, das 6.476 entrevistas familiares para autorização de doação, houve 2.716 negativas, somando 42%, número que vem se mantendo praticamente constante ao longo dos anos.
Uma das razões para a recusa dos parentes em doar órgãos é a falta de conhecimento sobre o que é a morte encefálica, um processo considerado irreversível.
Para José Medina Pestana, diretor do Hospital do Rim e Hipertensão de São Paulo, local onde mais se realiza transplante de rim em todo o mundo, o número de transplantes do país poderia dobrar se houvesse maior número de doadores e se o país conseguisse fazer uma maior utilização dos órgãos dos potenciais doadores. Além disso, ele citou também a necessidade de ser corrigir a disparidade geográfica no país. “A única distorção do Programa Nacional de Transplante é essa, qualquer pessoa [deveria] ter a oportunidade igual de ser transplantada na região onde ele resida. Mas enquanto uma pessoa não consegue ser transplantada na Região Norte, o Ministério da Saúde oferece a oportunidade para que ela possa se matricular em uma região onde ela possa fazer o transplante”, disse.
Antônio Celso Garcia Filho, 38 anos, corretor de imóveis
Escolhi ser doador inicialmente por conta do meu pai ter sofrido com hemodiálise durante 23 anos e não quis nem entrar na fila de transplante. Eu via o sofrimento dele e não podia fazer nada. Uma ocasião eu até tentei iniciar os exames de compatibilidade, mas ele não quis.
Marcelo Henrique Garcia Passarelli, 28 anos, bombeiro
Tudo começou em 2010 quando servi o serviço militar (Tiro de Guerra) e através de alguns projetos sociais acabei conhecendo a doação de sangue e ali vi que em um ato simples somos capazes de ajudar o próximo de alguma maneira e foi assim que enxerguei que poderia fazer um pouco mais, a decisão sobre doação de órgãos veio logo em seguida de uma maneira espontânea, sabendo que mesmo após a vida eu poderia continuar ajudando. No primeiro momento esse assunto gera uma tensão em casa, afinal, não existe uma maneira certa pra se começar um assunto desses (rsrs), mas após toda explicação e motivos sobre os quais me levavam a isso, todos entenderam e me apoiaram. Com um pouco mais de orientação e diálogo eu aposto que mais pessoas possam entrar nessa causa.
Danilo Carlos Soares, 38 anos, técnico em ar condicionado
Eu resolvi ser doador quando completei 18 anos, porque entendi que a vida continua após a minha morte e com isso eu poderia ajudar a outras pessoas. Minha família sempre concordou.