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Agrotóxicos: um tema nada palatável

Sempre me recordo do professor Paulo Affonso Leme Machado contando com entusiasmo, para minha turma de graduação, em uma das aulas de sua disciplina – Política e Legislação Ambiental –, da inserção do tema “agrotóxi­cos” na nova edição de seu livro – “Direito Ambiental Brasileiro” –, quando da publicação da lei federal que tratava do assunto. Eu bebia suas aulas como quem toma um bom vinho tinto.

O professor nos contava que passava metade do ano lecionando na França, na Universidade de Limoges, e a outra metade no Brasil, na Unesp de Rio Claro. Para mim, cada aula sua era uma conferência. Eu acompanhava seu raciocínio com atenção plena e sua genialidade com admiração.E foi assim que me tornei fã da­quele mestre. Aguardava pelas sextas-feiras de manhã para encontrá-lo e ouvi-lo.

Na época, 1990, sabíamos que Paulo Affonso havia sido um dos mentores do Capítulo de Meio Ambiente na Constituição de 1988. Hoje seu livro está na 26ª edição. Um produto perigoso que oferece riscos à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente, deve ser monitorado em toda a sua cadeia produtiva. É o caso dos agrotóxicos.

Cabe ao Poder Público, por meio de seus órgãos de controle e fiscalização, acompanhar de acordo com as normas vigentes, desde a fase de pesquisa para obtenção de um novo produto, passando pelo registro, produção, rotulagem, comercialização, transporte, armazenamento, uso e aplicação, importação e expor­tação – se for o caso –, até a disposição final de embalagens e resíduos.

Aos setores governamentais de meio ambiente, saúde, agricultura e trabalho, estão estabelecidas atribuições específicas de um extenso leque de tarefas que requerem quadros de funcionários compatíveis com a complexidade demanda­da pelo tema. Toda vez que um gestor público ignora sua responsabilidade de estruturar adequadamente a máquina pública, ele fragiliza a implementação e a continuidade de políticas que atendem a interesses da sociedade.

Em 2018, segundo o Tribunal de Contas da União, o Brasil deixou de arre­cadar R$ 2,07 bilhões com isenção de impostos aos agrotóxicos. Os praguicidas gozam de benefícios fiscais em tributos como ICMS, Cofins IPI e Pis/Pasep. Se­gundo dados de IBGE, em torno de 70% a 75% da alimentação que está no prato do brasileiro e da brasileira é proveniente da agricultura familiar. O agrobusiness nacional “diz” que alimenta o mundo, mas sequer alimenta o Brasil.

Quais são os incentivos fiscais que gozam a produção e comercialização de alimentos orgânicos no país?Que valor nutricional e ambiental tem um legume saudável produzido sem causar prejuízo às abelhas, por exemplo, e outro com resíduos de pesticida?

Essas e outras questões foram debatidas no último dia 21 em um encontro promovido pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Ribeirão Preto (Comsean). Outubro, além rosa, além dos besouros e florada dos angicos, é o mês da alimentação saudável.Manter debates e diálogos são demonstrações de uma sociedade viva que não arreda pé de sua participação na tomada de decisões.

Mas nada tem sido rosa, azul ou verde neste 2019, a não ser que você seja ter­raplanista e negacionista das mudanças do clima.São aproximadamente 400 novos registros de agrotóxicos até este outubro emitidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o MAPA. Reza a lei,“o registro para novo produto agrotóxico, seus componentes e afins, será concedido se a sua ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente for comprovadamente igual ou menor do que daqueles já registrados para o mesmo fim” – Artigo 3º, Lei 7.802/89.

Muitos dos novos biocidas estão classificados nas classes I e II, ou seja, “extremamente e altamente tóxicos”. Algumas dessas substâncias tiveram seu uso proibido nos países da Comunidade Europeia, como os princípios ativos Fipronil e Sulfluramida. Na última década o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 90%; no Brasil, o setor cresceu 190%. Com subsídios fiscais, lembrem-se!

Há uns três anos atrás eu adentrei à uma roça de ingênuas abobrinhas ita­lianas na Zona Sul em Ribeirão Preto. Surpreendeu-me demais o cheiro forte de veneno que pairava naquele local! Eu já havia inalado odor semelhante nas roças de tomate e de melão quando criança em Clementina.Na vida, a depender de quando e onde estamos, somos obrigados a inalar, ingerir, ver, ouvir e sentir mui­tas coisas que não gostaríamos. Não quero para mim e nem para vocêproblemas de neurotoxicidade, prejuízos hormonais, comportamentais, reprodutivos, efeitos cancerígenos, depressivos…

Este artigo é dedicado a todos os produtores de alimentos que respeitam a terra e a Terra (ovalada).

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