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A herdabilidade dos comportamentos humanos complexos (1)

Através da história da psicologia é quase impossível encontrar uma questão que tem sido tão persistente, ou tão resistente à resolução, como aquela envolvendo o papel relativo da natureza e da criação em causar diferenças individuais nas habilidades cognitivas, em especial, a inteligência geral ou QI. O debate científico vem desde a metade do século 19. A posição a favor da natureza originou-se do trabalho de Charles Darwin, então aperfeiçoada por seu primo, Sir Francis Galton. De fato, Darwin, que elaborou a teoria de que a seleção natural é o alicerce da evolução biológica, foi persuadido por Galton de que os princípios da seleção natu­ral também se aplicavam ao comportamento, tão bem quanto para as características físicas. Os membros de uma espécie variam na expressão de certos comportamentos devido às variações em seus genes, e esses comportamentos têm valor de sobrevivência em alguns ambientes. Baseada em modelos de pesquisa usados em genética comportamental, esta visão entende que uma parte substancial (digamos 50%) das diferenças individuais no QI é genética. Portanto, segue-se que, mesmo quando todos os indivíduos são tratados de forma a mais similar possível, as diferenças entre indivíduos não desaparecem, embora possam diminuir. Galton arguiu que não havia como fugir da conclusão de que a natureza prevalece enormemente sobre a criação. Outro marco importante apoiando essa concepção foi um artigo influente, publicado na Science, de 1963, que, revisando os escores de QI para famílias, gêmeos e adotivos, conclui que a influência genética é muito importante para efetivar tal diferenciação do desenvolvimento intelectual individual.

A posição ambientalista, ao contrário, não postula qualquer fator genético para, coerentemente, ex­plicar tal diferenciação, porque sustenta a noção de que, quando os ambientes, para todos os indivíduos, são construídos de forma mais similar possível, as diferenças individuais observadas no QI tenderão a desaparecer, embora isto possa ser difícil de ser alcançado. Esta concepção tem sido predominante nas ciências sociais desde o início de 1930. Isto ocorreu, de um lado, como conseqüência do aparecimento do behaviorismo como uma forma de protesto contra todas as formas de psicologia introspectiva envolvidas com estados mentais, tais como consciência e desejo. Behaviorismo implicava ambientalismo. De outro lado, em especial, depois que os horrores das políticas disgênicas dos nazistas tornaram-se conhecidos aos olhos do mundo. Este último fato contribuiu para estigmatizar a pesquisa sobre inteligência baseada nas ideias Galtonianas de uma maneira jamais vista na literatura científica sobre qualquer outro tema, exceto, talvez, para a evolução tal como percebida pelos fundamentalistas bíblicos.

Durante os anos 40 e 50, o behaviorismo e a teoria da aprendizagem (de Watson a Skinner) dominaram a psicologia americana. No início dos anos 80 as ciências do comportamento começaram a aceitar mais comumente a influência genética no comportamento. Isto se refletiu diretamente no crescente número de artigos lidando com genética do comportamento publicado em vários periódicos específicos da psicologia. Um marco dessa mudança ocorreu durante o centenário da reunião anual (1992) da American Psycological Association, para a qual o comitê organizador selecionou dois temas que melhor representavam o passado, o presente e o futuro da Psicologia. Um dos temas escolhidos foi genética compor­tamental, entendida como o estudo genético do comportamento, o qual inclui genética quantitativa (estudos com gêmeos e adotivos), bem como, genética molecular (estudos de DNA) do comportamento humano e animal, incluindo respostas dos organismos, que vão desde as respostas mensuradas no cérebro, tais como, neuroimageamento funcional e questionários de autoavaliação.

Assim, o século passado viu o pêndulo entre natureza (genética) e criação (ambiente) oscilar, de um lado para outro, inúmeras vezes com o decorrer dos anos. Ora do lado da genética, ora do lado do ambiente. Este fato ocorreu mesmo que para a inteligência – uma das áreas mais controvertidas da psi­cologia e da genética comportamental – um levantamento, arrolando mais de mil de cientistas sociais e do comportamento, além de educadores, indicasse que a maioria aceitava, sem restrições, um papel significativo da hereditariedade sobre o QI e, mesmo, a existência de uma inteligência geral (g). A des­peito disso, a suposição de que fatores genéticos influenciam traços comportamentais – especialmente a inteligência (ou QI) – continua a ser altamente controvertida. Inúmeros argumentos contrários têm sido frequentemente expostos na literatura profissional.

Nos últimos 25 anos estudos acerca da genética do comportamento têm literalmente explodido e uma vasta maioria de trabalhos tem sido inspirada pelos insights de Galton. Apesar das controvérsias ainda existentes, a literatura científica atual indica uma concepção atual, ainda que extremamente oti­mista, na qual o pêndulo, ao longo dos anos, vai perdendo a sua inércia, buscando repousar, harmo­niosamente, entre natureza e criação.

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