As ideias sobre economia tornam-se centrais nos debates de nosso tempo. A economia parece poder substituir todas as preocupações políticas. “Demonstrações” matemáticas devem tomar o lugar de discursos retóricos.
Dizem: a solução para nossos problemas não é política, mas econômica. Uma economia livre da política, dos políticos.
Será possível?
Quem diz isso ignora (ou quer que os outros ignorem) que a economia é parte da política.
Por mais que o pensamento econômico dominante (embora pobre) tente convencer que a economia funcione de acordo com leis naturais – acerca das quais qualquer interferência comunitária apenas gerará transtornos e ineficiência – é impossível negar que as bases da economia de mercado (e inclusive e especialmente, de uma economia puramente de mercado) são inteiramente determinadas e possibilitadas por decisões políticas comunitárias.
Não há mercado capitalista sem instituições políticas e jurídicas que assegurem, por exemplo, a existência da moeda e a segurança dos contratos, ou a existência e a proteção da propriedade privada.
Estes pilares de que depende a existência de uma economia de mercado não são naturais, nem são axiomas a partir dos quais se podem fazer demonstrações matemáticas. São políticos. Existem neste momento da humanidade, aqui e agora, por força de decisões tomadas por seres humanos. São instituições históricas, que dependem da Constituição, das leis, dos tribunais, dos parlamentos, de organizações administrativas nacionais e internacionais sem as quais simplesmente desapareceriam. São decisões humanas, e não inevitabilidades naturais, nem verdades matemáticas.
O mais interessante é perceber que a tentativa de transformação dessas decisões políticas em realidades naturais – com que se quer negar a ligação essencial entre economia e política – está a serviço de objetivos políticos.
É uma forma de fazer política – embora desleal, porque enganosa, e excludente.
A naturalização da economia visa excluir de qualquer debate as decisões a favor da economia de mercado. Mas não podemos ser ingênuos e permitir que se oculte que estas opções econômicas são apenas alternativas, meras possibilidades postas à decisão das pessoas, que devem posicionar-se sobre elas de maneira livre.
Trata-se de mais um dos mecanismos contemporâneos de encobrimento da realidade por meio da ideologia – compreendida como distorção proposital do real.
A naturalização de fundamentos econômicos e a matematização da economia são pura ideologia! A transformação ideológica do discurso econômico em discurso matemático faz com que as pessoas aceitem a retirada do espaço público de livre debate democrático a construção de políticas econômicas, reforçando com isto a aceitação do discurso único.
Quem pode deliberar sobre o que é natural? Quem pode discutir acerca da aplicação ou não da lei da gravidade?
A retirada, do espaço de livre debate, da construção de políticas econômicas alternativas esvazia o discurso político econômico, subordinando – de forma perigosa para o Estado Democrático de Direito – o Direito e a Política a falsos imperativos de uma ciência econômica transformada artificialmente em dogma.
Se queremos restaurar o debate livre e racional de ideias como o fio condutor que nos permitirá construir um futuro livre de violência e de ignorância, precisamos restaurar também a consciência sobre o que está em debate. Tudo o que é econômico está em debate.