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A primeira santa nascida no Brasil

TWITTER DO VICE-PRESIDENTE HAMILTON MOURÃO

Às 10h34 (5h34 no horário de Brasília) de domingo, 13 de outubro, o papa Francisco oficialmente fez de Irmã Dul­ce, a Santa Dulce dos Pobres, a 37ª personalidade brasileira canonizada pela Igreja Cató­lica. Ela é a primeira mulher nascida no País a se tornar santa. A cerimônia, na Praça São Pedro, no Vaticano, reu­niu, segundo a guarda local, cerca de 50 mil pessoas – dez mil brasileiros – e fez outros quatro novos santos: um teó­logo inglês, uma freira italia­na, uma freira indiana e uma catequista suíça.

“Em honra da Santíssima Trindade, pela exaltação da fé católica e para incremento da vida cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e Nossa, depois de refletir por muito tempo, ter invocado a ajuda divina e ouvido a opinião de irmãos bispos, declaramos e definimos santos os beatos John Henry Newman, Giuseppina Vannini, Maria Thresia Chira­mel Mankidiyan, Dulce Lopes Pontes (Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes) e Margueri­te Bays, e os inscrevemos no re­gistro dos santos, estabelecendo que em toda a Igreja eles sejam devotamente honrados entre os santos”, afirmou o papa, no mo­mento solene.

REMO CASILLI/REUTERS

O público aplaudiu fer­vorosamente. Foi visível o número de brasileiros entre os fiéis. Bandeiras do País e trajes verde e amarelo po­diam ser notados em todas as partes da praça. Em um dos momentos mais emocionan­tes da cerimônia, foi exibida uma relíquia de Irmã Dulce: um pedaço de osso de sua costela, impregnado em uma pedra de ametista.

O músico José Maurício, considerado curado milagro­samente por graça de Santa Dulce, estava presente. Foi a recuperação de sua cegueira o milagre decisivo para a ca­nonização da santa brasileira. Na homilia, o papa destacou o fato de que dos cinco no­vos santos, três eram freiras. “Invocamos como interces­sores”, referiu-se aos novos santos. “Mostram-no que a vida religiosa é um caminho de amor nas periferias exis­tenciais do mundo.”

Já o primeiro milagre de Irmã Dulce ocorreu em 2001, quando a sergipana Claudia Santos, hoje com 50 anos, en­frentava uma grave hemorra­gia após o parto do segundo filho e chegou a ficar em coma, com insuficiência renal. Após a equipe médica usar todos os recursos que poderia, a reco­mendação foi que se preparas­sem para a morte.

“Estou aqui desde as 20 ho­ras de ontem (sábado). Eu não poderia deixar de vir. A emo­ção é muito grande de relem­brar tudo aquilo que passou, hoje a minha fé é muito maior”, afirmou à reportagem. “Depois do que passei, vi que nós real­mente não somos nada.”

Claudia começou a melho­rar de forma milagrosa com a visita do padre José Almir de Menezes, devoto de Dulce. Ela compareceu ao Santuá­rio Irmã Dulce, em Salvador, usando como pingente a san­tinha que recebeu do religioso durante as orações.

O milagre foi oficializado pelo Vaticano em 2011, dez anos após a recuperação de Claudia. “Foi uma bênção de Deus, agra­deço primeiramente a Deus e pela intercessão de Irmã Dulce. Não era nem para eu estar aqui, ela é minha santinha”, afirmou.

Comitiva de autoridades brasileiras
A comitiva de autoridades brasileiras foi acomodada à es­querda do altar, em espaço re­servado para convidados não religiosos. O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB); os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); da Câmara dos Deputados, Ro­drigo Maia (DEM-RJ); o go­vernador da Bahia, Rui Costa (PT); e o prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM), estavam entre os presentes.

Além dos políticos brasi­leiros, participaram da ceri­mônia o presidente da Itália, Sergio Mattarella, o príncipe Charles, do Reino Unido, além de autoridades da Ín­dia, da China, da Irlanda e da Suíça. Antes da missa, o padre brasileiro Antonio Maria, o sanfoneiro cearense Waldonys e a cantora baiana Margareth Menezes tocaram e cantaram a música oficial da canonização da freira brasileira.

Na hagiografia de Irmã Dulce consolidada pelo Va­ticano, ela passa a ser apre­sentada como alguém que “desde a infância, se destacou por uma grande sensibili­dade para com os pobres e necessitados”. “Sua caridade era maternal, carinhosa”, diz o texto, impresso no livreto da canonização. “A sua dedi­cação aos pobres tinha uma raiz sobrenatural e do Alto recebia forças e recursos para dar vida a uma maravilhosa atividade de serviços aos úl­timos.” O documento ainda afirma que, quando a freira morreu, já gozava de “grande fama de santidade”.

A biografia de Irmã Dulce

OBRAS SOCIAIS IRMÃ DULCE/OSID/DIVULGAÇÃO

Nascida em 26 de maio de 1914 em Salvador, Irmã Dulce foi batizada Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes. Era filha de um dentista e professor da Universidade Federal da Bahia, Augusto, e uma dona de casa, Dulce. Perdeu a mãe aos 7 anos e, por isso, decidiu homenageá­-la, adotando seu nome na vida religiosa, aos 19 anos – quando ingressou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imacula­da Conceição da Mãe de Deus.

Sua vocação para ajudar os mais necessitados se tornou públi­ca na adolescência. Aos 13 anos, ela começou a acolher doentes e moradores de rua em sua casa. O centro de atendimento informal acabou conhecido como “a portaria de São Francisco”. Logo depois de assumir o hábito, tornou-se professora de uma escola mantida por sua congregação. Por forma­ção, Dulce era normalista, oficial de farmácia e auxiliar de serviço social. Deu aulas principalmente de Geografia e História.

Criou um movimento operário cristão e, um pouco mais tarde, fundou a organi­zação que existe até hoje, com destaque para o atendimento a doentes. Irmã Dulce também gostava de artes, principalmente música. Em 1948, fundou o Cine Teatro Roma, palco de shows de grandes nomes da MPB, como Roberto Carlos e Raul Seixas. A religiosa ainda criaria cinemas em Salvador.

Ainda em vida, recebeu o apelido de “o anjo bom da Bahia”. “Miséria é a falta de amor entre os homens”, dizia a freira. Em 1988, ela foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz. “O amor supera todos os obstáculos, todos os sa­crifícios. Por mais que fizermos, tudo é pouco diante do que Deus faz por nós”, é outra de suas frases famosas. Seus últimos 30 anos de vida foram especial­mente difíceis por conta de um enfisema pulmonar, que reduziu sua capacidade respiratória em 70%. Irmã Dulce chegou a pesar apenas 38 quilos.

Canonização – Na história contemporânea da Igreja, é o terceiro caso mais rápido de canonização: Irmã Dulce se tornou santa 27 anos depois de sua morte. O papa João Paulo II foi canonizado nove anos após a morte; já Madre Teresa de Calcutá (1910-1997), 19 anos depois. O processo de canonização de Irmã Dulce foi iniciado em janeiro de 2000. Na ocasião, seus restos mortais que estavam na Igreja da Conceição da Praia, em Salvador, foram transferidos para a Capela do Convento Santo Antônio, na sede das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), na mesma cidade.

Em abril de 2009, o papa Bento XVI reconheceu suas virtudes heroicas. Irmã Dulce passou a ser considerada então venerável.Em outubro de 2010, a Congregação para a Causas dos Santos atestou a autenticidade do primeiro milagre atribuído à religiosa – orações para ela, em 2001, teriam interrompido hemorragia de 18 horas de uma parturiente, em Sergipe. Em 22 de maio de 2011, Irmã Dulce foi beatificada em missa presidida pelo cardeal dom Geraldo Ma­jella Agnelo, em Salvador.

Neste ano de 2019, veio o reconhecimento do segundo milagre: a cura de uma ceguei­ra causada por glaucoma, em 2014. Em 14 de maio, papa Francisco anunciou que Irmã Dulce seria canonizada. Mas o maior milagre de Irmã Dul­ce tem muito mais de árduo trabalho humano do que de forças divinas. Em 1959, a freira fundou uma instituição filantrópica em Salvador. A Osid é hoje um complexo composto de 17 núcleos, com uma gama de serviços gratuitos que vão de escola de ensino integral a hospital com tratamento de câncer. O centro médico atende a duas mil pessoas por dia. Anualmente, são realizados ali dois milhões de procedimentos, com 12 mil cirurgias e 18 mil internações. Tudo de graça. O complexo realiza 3,5 milhões de atendimentos por ano.

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