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Cartografia e Literatura: A quarta parte do mundo

Mapas antigos. Lugares estranhos e inesperados. A sedução do que está para ser descoberto. Você conhece a lenda do mapa-múndi de Waldseemüller, de 1507? Toby Lester conhece. E, seduzido por ela, nos conta, em “A quarta parte do mundo”, como tudo começou.

“Quando pensei em contar a história do mapa pela primeira vez, alguns anos atrás, achei que sabia o que estava fazendo. Mas então o mapa assumiu o controle e, por dois anos, segui seu comando… Tomei conhecimento do mapa pela primeira vez em 2003, quando… a Library of Congress dos Estados Unidos tinha comprado o único exemplar restante do mapa pela surpreendente quantia de 10 milhões de dólares. Era o valor mais alto já pago publicamente por um documento histórico, quase 2 milhões de dólares acima do último detentor do recorde, um exemplar original da Declaração da Independência dos Estados Unidos. Fiquei intrigado. Que mapa era esse? Por que era considerado tão valioso? E por que eu nunca tinha ouvido falar dele?

O mapa tem um memorável direito à fama: ele deu nome à América. Descrevendo orgulhosamente o mapa como a “certidão de nascimento da América”, o comunicado de imprensa da Library of Congress contava a história básica. O mapa era criação de um pequeno grupo de estudiosos e impressores estabeleci­dos nas montanhas de Lorena, no leste da França – entre os quais estava um cartógrafo alemão chamado Martin Waldseemüller, cujo nome está atualmente vinculado ao mapa. Surpreendentemente, Waldse­emüller e seus colegas, hoje quase inteiramente esquecidos, haviam decidido que, 15 anos após a descoberta inicial de Colombo, já era hora de dar um nome ao Novo Mundo. Mas o que eles chamaram de América nada tinha a ver com o que hoje se chama, coloquialmente, de América: os Estados Unidos. A América de Waldseemüller era a do Sul: uma vasta região no sul do Novo Mundo que Waldseemüller e seus colegas acreditavam ter sido explorada e descrita pela primeira vez poucos anos antes, pelo mercador italiano Amé­rico Vespúcio, em cuja honra cunharam seu novo nome.

O mapa, porém, fez mais do que somente apresentar o nome América ao mundo. Pela primeira vez – rompendo com a noção predominante de que Colombo e Vespúcio haviam descoberto uma parte desco­nhecida da Ásia -, retratava claramente o Novo Mundo cercado por água. Em outras palavras, tornou-se o primeiríssimo mapa a apresentar o hemisfério ocidental mais ou menos como hoje o conhecemos. E, miste­riosamente, por razões que ainda precisam ser mais bem explicadas, fazia-o anos antes da data em que os europeus supostamente descobriram a existência do oceano Pacífico, em 1513. Mil cópias foram impressas e, no espaço de uma década, auxiliado pela disseminação da recém-inventada prensa tipográfica, o nome havia se tornado popular em toda a Europa. Mas o mapa em si logo ficou desatualizado, sendo substituído e descartado em favor de outros que ofereciam imagens cada vez mais completas do Novo Mundo. No final do século XVI, já tinha desaparecido inteiramente. Ficaria esquecido ou dado como perdido por vários séculos, até 1901, quando um padre jesuíta de meia-idade, ao visitar um castelo sem muita importância no sul da Alemanha, achou por acaso um exemplar do mapa num canto isolado da biblioteca do castelo. Especialista em história da cartografia, Fischer reconheceu o que havia encontrado e rapidamente anunciou ao mundo que descobrira o pai de todos os mapas modernos: o mapa que apresentara o Novo Mundo à Europa e dera nome à América.

Era uma história fascinante, e decidi tentar escrever um livro sobre ela. No entanto, quanto mais anali­sava o mapa, mais eu via. A visão rapidamente se tornou caleidoscópica: um mutante mosaico de geografia e história, povos e lugares, lendas e ideias, verdade e ficção. Em pouco tempo me dei conta de que o mapa abre uma janela para algo muito mais vasto, estranho e interessante do que apenas a história de como a América recebeu seu nome. Ele oferece uma nova visão de como, no decorrer de vários séculos, os europeus aos poucos abandonaram ideias tradicionais e antigas sobre o mundo; como rapidamente expandiram seus horizontes geográficos e intelectuais; e, finalmente – num empreendimento coletivo que culminou na elaboração do mapa -, como conseguiram chegar a um novo entendimento do mundo como um todo.” Em “A quarta parte do mundo”, Toby Lester narra a história do mapa de Waldseemüller de duas maneiras distintas: como a cativante história da elaboração do mapa em si, bem como, pela convergência de ideias, descobertas e forças sociais que, juntas, viabilizaram o mapa e, com este, a representação do mundo como hoje o conhecemos.

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