As palavras existem para indicar uma determinada coisa ou muitas coisas. O estudo da linguagem busca investigar como essa relação surgiu ou quando surgiu, ou por que surgiu. É possível mesmo encontrar desencontros entre os seus vários significados o que leva o entendimento ao delírio.
O latim é o pai da língua portuguesa. Não é a mãe. A palavra “nunc” lá na Roma antiga indica “agora” e no português, ao contrário,“nunca”. Veja-se a segunda parte da Ave Maria em latim: “Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc (agora!) et in hora mortis nostrae”. Na linguagem jurídica usa-se com frequência a expressão “ex nunc” para indicar que determinado ato vale de “agora” para o futuro.
O adjetivo “omnes” é traduzido como “todos”. Se quero dizer “para todos”, digo “omnibus” que perdeu o “eme” e em português passou a significar o veículo que transporta todas as pessoas, ou seja, o “ônibus”.
Na época em que o direito romano era tribal, o homem mais velho da família tinha o poder de vida e morte sobre todos os seus parentes. Era o “pater famílias”. Quando os conflitos passaram a eclodir entre as diversas tribos, os velhos pais de família para resolvê-los passaram a se reunir num único local. Como “velho” em latim é “senex”, o ponto de encontro dos velhos pais foi batizado como “senatus”, origem do nosso senado.
Mesmo nos nossos dias criamos heterossemânticos. O adjetivo “esquisito” em português é tudo que é incomum e ruim. Em espanhol, o adjetivo indica tudo que é incomum e é ótimo. Na França há um perfume chamado “esquisito”.
Em “Dom Quixote”, um dos livros mais lidos, Cervantes narra a história de um fidalgo que, saudoso dos costumes medievais busca ressuscitá-los. Lê num livro qual é a conduta que um cavaleiro deve tomar aqui e ali. Ora, o D. Quixote não é uma pessoa. Mas um conjunto de palavras. Pois bem, o livro descreve a aventura tormentosa de um conjunto de palavras que consegue ler outro conjunto de palavras para converter-se num cavaleiro. Portanto, trata-se de uma criação vocabular que se comporta como gente, adotando o comportamento indicado exatamente por palavras.
A técnica foi adotada pela arte cinematográfica. Há um filme no qual as personagens fingem sair da tela para assistir a própria cena. Claro, continuam numa outra tela, sem sair fisicamente da original do qual saíram!
A genialidade artística navega pela vida real, quando pessoas, não suportando a sua própria existência dela tentam se afastar, mergulhando num comportamento fantasioso ou onírico.
D. Quixote foi, sem dúvida, o modelo adotado tanto na vida real como na vida imaginada, seguramente, porque temos necessidade tanto de caminhar entre pedras como pelas veredas dos nossos inevitáveis devaneios.
Pesquisadores debruçam-se sobre a linguagem infantil. Como uma criança aprende a falar, pronunciando um som dirigido para a indicação de algo concreto. Ficamos espantados quando ouvimos de seus lábios palavras aparentemente revestidas de roupagem imaginosas como as cores, como quando ouvimos dizer “maçã vermelha”.
Causa maior dificuldade ainda quando testemunhamos uma criança tartamudeando um verbo. Mas o verbo nunca é uma coisa! Em que escola uma criança aprende a dizer:“estou” ou “tou” com fome ou com sono.
Indaga-se como os pais dos passarinhos ensinam seus filhotes a valer-se da comunicação linguística para transmitir-lhes como os ninhos devem ser construídos! D. Quixote revelaria o mistério?