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‘Precisamos tomar juízo em relação à Amazônia’, diz cofundador da Natura

Por Fernando Scheller

Cofundador da Natura, o empresário Pedro Passos diz que o Brasil precisa “tomar juízo” quando o tema é preservação ambiental. Segundo ele, embora a soberania do País na região seja “indiscutível”, isso não isenta o governo brasileiro de responsabilidade pela preservação de um ativo importante para todo o planeta.

Para Passos, o governo Bolsonaro conseguiu, em oito meses, reverter uma tendência de liderança ambiental que havia sido conquistada pelo Brasil desde os anos 1990. “A Amazônia vinha em tendência de desmatamento cada vez menor. E essa política recém-implantada mudou a percepção sobre o Brasil e assustou o mundo.”

Segundo o empresário, a “retórica radical” adotada pelo governo desde o início do ano inclui o incentivo a uma fiscalização mais frouxa, que se reflete em mais desmatamento e queimadas. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), houve alta de 40% do desflorestamento da Amazônia – dado que o presidente Jair Bolsonaro contesta. Ele vê o atual discurso ambiental como uma potencial ameaça à economia do País.

Passos diz que não se trata de apenas uma questão de discurso, pois a situação também traz impactos negativos à economia do País.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Falta ao governo atual visão de exploração sustentável da Amazônia?

Sem dúvida a Amazônia é um Brasil a ser descoberto, com um enorme potencial, mas que até hoje não teve projeto efetivo para abordar essa riqueza de uma forma consistente. Há alguns exemplos bem-sucedidos, mas não nada em escala para explorar a Amazônia como se deve.

E por que a Amazônia deve ser prioridade para o governo?

Primeiro porque é uma riqueza essencial para manter a situação climática global razoavelmente sob controle. Precisamos da Amazônia. Às vezes, parece que, quando falamos de soberania da Amazônia, a gente não se subordina à verdadeira soberania, a do planeta. Segundo, há a questão da preservação da biodiversidade. E, por fim, há as cadeias de produção – é importante investir na Amazônia para produzir mais conhecimento.

Ou seja: é preciso reinventar a forma de explorar a floresta?

A gente só vai mudar o jogo da exploração extrativista de baixo valor agregado se agregarmos mais conhecimento. Infelizmente, não existe essa alocação de recursos hoje. Mas tenho expectativa de que se construa um projeto entre poder público e empresas privadas com visão de longo prazo. Podemos explorar a Amazônia de forma diferente da que fizemos no passado.

Como assim?

No passado a gente desenhou a Zona Franca de Manaus como solução Parece-me que não é. Ela exige um subsídio alto, que tenho impressão de que é de R$ 30 bilhões ao ano. Imagine alocar esse recurso para conhecimento, ciência, (busca de) ingredientes para alimentação, cosméticos e produtos farmacêuticos… A gente poderia conseguir muito mais resultados.

Como o sr. vê a discussão sobre soberania na Amazônia?

A soberania brasileira é indiscutível, mas precisamos ser responsáveis por um bem de que todos dependem. A soberania existe, mas a Amazônia precisa ser bem cuidada. Existe um interesse multilateral. Estudos que dizem que, à medida que aumenta o desmatamento, podemos chegar num ponto irreversível do ponto de vista climático. Acho que tem de ter ajuda da academia, financeira. Não podemos virar de costas para dados científicos – eles estão aí provando que a Amazônia tem uma influência no clima do planeta.

O sr. acha que o País já foi visto como uma liderança na questão ambiental e que, agora, essa visão sobre o Brasil mudou?

O Brasil vinha numa tendência muito positiva em relação à preservação da Amazônia. Desde o fim dos anos 1990, quando se introduziram mecanismos de monitoramento, a Amazônia vinha em tendência de desmatamento cada vez menor. A política recém-implantada em oito meses mudou a percepção e assustou o mundo. Hoje a retórica é radical. O incentivo a uma fiscalização mais frouxa e os resultados de desmatamento e incêndios podem ter um impacto muito sério não só na parte ambiental, mas na economia. Já vivemos um momento em que o Brasil estava desmatando a Amazônia, conseguimos evoluir e rapidamente estamos perdendo isso. Precisamos tomar juízo.

Várias empresas internacionais dizem que deixaram de comprar do Brasil por causa da Amazônia. O Brasil pode estar dando um tiro no pé?

Não vamos ser ingênuos, pois tem dois lados. Existe a efetiva preocupação com a sustentabilidade. E há os interesses financeiros de outros países. Precisamos estar atentos. O Brasil tem posição privilegiada para fazer da Amazônia um ativo importante e ocupar posição de liderança nas negociações comerciais. Hoje, a moeda de troca não é mais tarifa. A moeda são regulações ambientais e trabalhistas, imposições não tarifárias que poderiam acelerar a preferência pelo Brasil.

A Natura sempre trabalhou de perto com ONGs ambientais. O presidente Bolsonaro insinuou que as organizações seriam responsáveis por queimadas. Qual sua visão sobre isso?

Tem impacto na imagem no Brasil essa retórica radical, o bloqueio do diálogo com as ONGs, que muitas vezes são essenciais para complementar políticas públicas. É uma postura que espero que seja revista.

Como o sr. vê o papel do agronegócio nesse cenário?

Vejo o agronegócio brasileiro como de alta produtividade e inovação. Grande parte do agronegócio se opõe a essa postura contrária à preservação ambiental. Existe um pedaço do setor, de baixa tecnologia, que usa o desmatamento para ampliar áreas de produção. O agronegócio organizado ganha produtividade a cada ano. E muitas pessoas do setor dizem que não é necessário mais um hectare de desmatamento para ampliar a produção.

Essa tensão ambiental afeta as empresas brasileiras globais?



É uma preocupação da própria ministra da Agricultura (Tereza Cristina). Rodrigo Maia (presidente da Câmara) está organizando uma viagem internacional para explicar a legislação ambiental brasileira a investidores. Isso mostra que haverá dano às empresas brasileiras se não fizermos um contraponto. No caso da Natura, procuramos desenvolver uma rede de relacionamento consistente, mostrando a nossa política. Esse histórico talvez possa nos proteger um pouco. Mas não é favorável ter uma postura radical como a que temos visto.

Empresários, quando falam do governo, citam os avanços econômicos para minimizar polêmicas.

A parte econômica estaria melhor se não fossem os inúmeros conflitos em outras áreas. A agenda econômica vai muito bem, no sentido de modernização, reformas. Na política de relações exteriores, há por vezes alinhamento automático aos EUA. O País sempre foi de relacionamento amplo. Não podemos perder isso. O Brasil precisa saber jogar e tratar igualmente EUA, China e Europa. Não podemos arrumar confusão no Mercosul, devemos continuar a nossa política tradicional de relações.

De uma maneira geral, qual é a sua avaliação do governo?

É um governo que tem uma agenda econômica boa, que está surpreendendo positivamente pela velocidade (de aprovação), porque existe um alinhamento de política econômica entre o governo e as lideranças tanto da Câmara quanto do Senado. Isso é muito importante, porque ajuda a empurrar os projetos prioritários. Por outro lado, a gente vê ruídos e ‘gaps’ na formulação de políticas em outras áreas.

Em que outros setores há espaço para melhorias?

Nós precisamos de uma política educacional mais vigorosa, buscar um novo patamar para educação brasileira. Os recentes cortes orçamentários não deixam a gente visualizar o novo projeto educacional. E isso va i fazer falta. A produtividade da economia não cresce. E um dos fatores para isso é o baixo educacional e o baixo nível de investimento em ciência e tecnologia. Lógico que há reformas a serem feitas, mas sem os componentes de ciência e educação, nós não vamos aumentar a produtividade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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