Antes de começar a ler essa matéria, procure esquecer tudo o que você pensa ou entende sobre jogos e videogames. Diversão, lazer, disputa entre amigos, sim tudo isso faz parte desse universo lúdico, mas para a turma da Gaming Club a brincadeira é mais séria, tanto é que está sendo alvo de estudos e reflexão da Pró-Reitoria de Graduação de uma das mais importantes universidades da América Latina, a USP – Universidade de São Paulo.
A Gaming Club é uma organização estudantil criada há cerca de três anos por alunos da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto. Os próprios membros admitem que no início não foram levados muito a serio por professores e colegas estudantes. “Tinham a ideia de brincadeira e diversão. Não entenderam o real motivo. De uma organização séria”, diz Lucas Amaral, 23 anos, o Goiás (nome que é conhecido no mundo dos games).
O próprio modelo de gestão do clube é algo fora dos padrões. Denominada de ‘in circle,’ não há presidente e nem uma figura mandatária. A estrutura organizacional é dividida em sete braços: Departamento de Pessoas (DP), Cultura Gamer, Marketing, Relações Públicas (RP), Esports (e-sports), Conteúdo e Consultoria.
Todos têm poder de decisão igual e quando não há consenso em algum assunto, o mesmo é levado em votação, prevalecendo a decisão da maioria. No total, atualmente o clube conta com 33 membros. Todos têm direito a expressar opiniões ou levantar temas nas reuniões.
Goiás concorda que é um modelo de gestão que está sendo estudado e pode ser implantado em empresas e corporações. “Neste tipo de modelo todos tem condições de expressar e avaliar o que pode ser feito para melhorar ou mesmo indicar o que está errado. É democrático”.
Os olhares ao Gaming Club começaram a ser modificados recentemente. O grupo apresentou as propostas em dois eventos da USP, um na FEA – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto e outro envolvendo docentes da Universidade.
Além da indústria de jogos/games e suas ramificações milionárias. O grupo fez entender que os jogos são importantes “Assim como somos influenciados com livros, músicas e arte, os jogos exercem também grande influência”, diz Goiás.
Outro ponto apresentado foi o de avaliação que pode ser feita por meio de games. Um exemplo foi uma dinâmica de grupo feita no evento com docentes da universidade. Em um jogo, de um lado ficava um professor com uma bomba e do outro lado quatro professores com manuais de desarme de bomba, sendo que ninguém poderia olhar o material do outro e tinham cinco minutos para desarmar o explosivo. Capacidade de comunicação, emoção e outros pontos eram avaliados pelo grupo enquanto os professores tentavam resolver sem sucesso o problema.
Após várias explosões e o desarme. O grupo questionou se houvesse mais tempo e mais possibilidades de tentativas, eles teriam sucesso. A resposta foi unânime: que sim. Foi então que os estudantes questionaram porque os professores exerciam um modelo parecido para avaliar os alunos, com duas provas e pouco tempo.
“Eles mostraram que há muito mais que diversão nos jogos. Os jogos ensinam que o erro não representa o fim, mas sim a possibilidade de um recomeço. Que é necessário aprender com o erro e buscar o sucesso”, avalia o professor Hugo Tourinho Filho, da Escola de Educação Física e Esporte da USP e um dos incentivadores do Gaming. “Eles são extremamente organizados e com ideias inovadoras, precisamos muito disso. Temos muito a aprender”, completa Tourinho.
Gabriel Romero, de 21 anos, o Peru, apelido por conta da sua nacionalidade, exemplifica outros pontos que em que os games podem atingir objetivos.
“O jogo da bomba que aplicamos nos professores pode ser aplicado em entrevistas de admissão. Nós mesmos aplicamos em seletivas para o nosso clube e conseguimos identificar situações, como por exemplo, de quem abandona o jogo, de quem briga ou discute com o amigo ao encontrar um problema. São variáveis que conseguimos detectar”.
Romero diz que os jogos podem ser adaptados para diferentes situações. “Nos pediram para fazer um jogo em uma feira de profissões. Fizemos e de acordo com o resultado, era possível apontar que segmento o aluno tinha mais aptidão”. Segundo ele, os games poderiam oferecer resultados melhores e mais adesão em campanhas diversas. “Por exemplo, é possível fazer um jogo para uma campanha de vacinação e apresentar nas escolas. As crianças terão mais interesse. Podemos passar mensagens por meio dos jogos”.
Tourinho deu outro exemplo. “Fui em uma palestra e foi apresentado o manual de prevenção de acidente em plataformas da Shell. Os funcionários jogavam e tinham informações sobre acidentes e cuidados. Conforme iam jogando, pontuando e passando de fase, eles recebiam informações importantes sobre prevenção de acidentes. O resultado foi muito melhor do que se tivessem sido obrigados a ler, cada um, um manual”.
Crescimento do clube
Se no passado o clube era alvo de dúvidas, hoje é necessário um processo seletivo. O clube extrapolou as fronteiras da FEA e da própria universidade. Das oito faculdades da USP, em Ribeirão Preto, apenas uma não tem membro no Gaming Clube. Um estudante da UNIP também entrou.
As propostas do clube estão sendo avaliadas pela Pró-Reitoria de Graduação da USP e apresentações podem ser realizadas em outras cidades onde há campi da universidade para formação e desenvolvimento de cursos. O game over do Gaming Clube parece estar muito longe de acontecer.
Jogos e equipes
O Gaming Clube também é diversão, mas muitas vezes não da maneira que conhecemos. O clube adapta regras em jogos novos e analisam os antigos. Um dos objetivos é criar o próprio game.
O clube ainda realiza atividades semanais com jogos. Os estudantes passam a madrugada de sexta-feira jogando. Outro objetivo é formar equipes de e-games e disputar campeonatos e torneios, além de realizar os próprios.
“Nosso objetivo vai muito além de trazer o universo Gamer para dentro do Campus. Estamos criando um espaço para todos os alunos explorarem seu lado Geek e darem uma chance para essa indústria do entretenimento que, indiferente às crises que o mundo vive há alguns anos, continua em crescimento constante e consegue conquistar gerações, acolhendo pessoas cada vez mais jovens e mantendo seus membros por muito mais tempo do que a sociedade aparenta concordar. Sabemos da importância e da força dos games em geral e queremos mostrar que viemos para ficar e revolucionar a indústria do entretenimento (no mínimo)”, diz a apresentação do clube em sua página oficial nas redes sociais.