Hoje eu acordei pensando em Lupicínio Rodrigues, compositor gaúcho, e aí me bateu uma vontade enorme de escrever sobre ele. O título desta crônica é parte de uma de suas mais belas obras, “Esses moços”. O que poucos sabem é que Lupicínio Rodrigues também compôs o hino do Grêmio porto-alegrense, que tem uma frase bem marcante: “Até a pé nós iremos, para o que der e vier, mas é o certo é nós estaremos, com o Grêmio onde o Grêmio estiver”. Esta frase é de enorme felicidade.
Em 1972, o velho sambista mangueirense Jamelão gravou um LP só com músicas de autoria de Lupicínio. Digo sem medo de errar que Jamelão foi seu melhor intérprete, e a dor de cotovelo passeia por todo disco. “Esses moços”, na voz de Paulinho da Viola, é uma maravilha. Paulinho parece ter adoçado tanto a melodia quanto a música com sua interpretação cheia de ternura.
Gal Costa e Fábio Júnior também gravaram Lupicínio Rodrigues, colocaram a alma por inteiro em “Volta”. Ciro Monteiro talvez tenha sido o primeiro sambista a gravar “Se acaso você chegasse”, isso em 1938. A música foi sucesso no carnaval daquele ano. Foi ele quem, nos anos de 1960, chegou para Elza Soares e disse: “Elza, em 1938 gravei um samba de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins e foi de agrado geral. Vendo a história de sua vida, ouvindo suas interpretações, vejo que ele tem tudo a ver com você, grave e depois me diga”.
Elza ouviu o amigo, gravou e matou a pau. Sua voz rouca e aquele jeito todo seu de valorizar a obra dos compositores virou sucesso nacional. No seu Rio Grande do Sul, onde dividia sua vida entre Santa Maria e Porto Alegre, Lupicínio, super feliz, acompanhava o sucesso de Elza Soares Brasil afora com sua música. Seu samba alavancou a carreira da cantora, mas tinha um detalhe: a intérprete não conhecia o compositor nem por foto, gravou seu samba sem ao menos pedir autorização, e naquele tempo a coisa era meio que embolada.
Lupicínio ficou sabendo que Elza estava fazendo uma temporada numa famosa casa noturna carioca, pegou um voo e foi ao Rio de Janeiro conhecê-la. Aboletado em sua mesa, pediu ao garçom dizer à cantora que fosse até ele. Elza ignorava, conversava com outras pessoas, mas não ia até a mesa do compositor. O tempo passou, ela continuou a cantar e quando cantou “Se acaso você chegasse” Lupicínio pediu novamente ao garçom para dar-lhe o recado.
Mais uma vez ela ignorou, Lupicínio levantou-se calmamente, dirigiu-se até o palco e disse a ela. “Elza, pedi tanto pra você ir até a minha mesa e você não foi”. A cantora ficou surpresa, mas permaneceu na dela. Ele continuou: “Queria me apresentar, daí decidi vir até você e dizer-lhe que eu sou Lupicínio Rodrigues”. Ela deu um grito de susto, pulou do palco, abraçou-o, beijou-lhe carinhosamente e passado aquela saia justa, disse que só ia até a mesa de quem conhecia porque na noite havia muitos aproveitadores, assim ficaram amigos para sempre.
Para homenagear o pai, o filho de Lupicínio, batizado com o mesmo nome, teve a feliz ideia de montar em Porto Alegre o sugestivo bar Se acaso você chegasse”. Colocou em cada mesa o nome de uma música do velho. Em 2019 o bar completa 11 anos e, segundo Lupicínio filho, a frequência do local é de pessoas entre 40 a 70 anos. Ele já prevê que, passando essa geração que conheceu a obra de seu pai, não sabe qual será o futuro deste recanto da boemia de Porto Alegre.
Minha alma boêmia faz a imaginação me levar para dentro do “Bar Se acaso você chegasse”, cada noite sentado em uma mesa diferente. Acho que, na primeira vez, me sentaria à mesa “Felicidade”, outra noite na “Cadeira vazia”, “Volta”, “Ela disse-me assim” e por ai vai. São dezenas de mesas com nomes de canções deste grande compositor brasileiro … Lupicínio Rodrigues.
Ah! Esses moços. Sexta conto mais.