Tribuna Ribeirão
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Pomada de basilicão

Sérgio Roxo da Fonseca *  
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Ribeirão Pretologo após a apelidada Segunda Grande Guerra, era a terceira maior cidade do Estado, figurando depois de Santos e Campinas. Contava com oitenta mil habitantes. 
O seu leste terminava num matagal sobre o qual,anos depois,foi plantada a Avenida Independência. A região sul era cercada, principalmente, pela Chácara dos Veludos e pela Escola Normal. A Avenida Nove de Julho não existia. Eram os dias do ano de 1945. 
O portão de entrada da Recreativa ficava defronte da Praça Camões, um verdadeiro jardim inglês, bem diferente do desenho geométrico dos jardins franceses, copiados pela Praça XV. 
Alguns anos antes, a Recreativa era a sede do Comercial, tanto assim que o seu distintivo até hoje espelha o símbolo do time de futebol. “Vou para o Comercial”, assim as crianças apontavam para a Recreativa que já não era o Comercial.Tudo muda. Nem sempre. 
A cidade de Paris tem um grande bairro, plantado ao lado do Museu do Louvre, nas margens do Sena, que se chama “Marais”, que significa “brejo”. Nas proximidades está a Rua da Árvore Seca. Perto da sua grande universidade fica Rua do Sabot“tamanco” em francêsNo início da Revolução Industrial, os trabalhadores usavam tamancos de madeira. Para reivindicar maiores salários, valiam-se deles quebrando as máquinas das fábricas. Até hoje os nomes desses locais não foram alterados, tanto que da palavra “sabot” nasceu “sabotagem”. Paris não muda sua história.  
Ribeirão muda. Sempre que pode muda os nomes dos locais. “Corredor dos Calabreses” era o nome da rua que ligava a Vila Tibério com a Escola de Agricultura, onde hoje se encontra a Universidade de São Paulo. Há quem diga que o nome atual da rua é Paranapanema. Que pena, diria um francês. A Rua do Comércio foi rebatizada com o nome de Rua Mariana Junqueira. A Rua do Sapo virou Visconde do Rio Branco. 
No centro de Viena há ainda coches puxados por cavalos à disposição daqueles que querem vagarosamente introduzir na memória a história narrada por aquelas ruas. Ribeirão também tinha um ponto de coche na Praça XV. Eram chamados “carros de praça”. O ponto ficava defronte de um teatro que foi derrubado para dar lugar à Praça Carlos Gomes. Tudo muda 
Descendo a Visconde do Inhaúma, logo depois da então Rua do Comércio, ficava e fica até hoje a Praça Tiradentes. No passado era o ponto dos carroceiros. O transporte de mercadorias, quase sempre, era realizado por carroças, arrastadas por cavalos, como os coches. 
Os cavalos urinavam pela rua por onde muitas pessoas caminhavam ainda descalçasUma doença comum para aqueles tempos chamava-se “mijacão” que, como se vê, surgia nas pernas dos que descalços pisavam na urina dos cavalos.  
A doença era tratada com a pomada de basilicão, preparada e vendida pelo farmacêutico Emílio Princivalli. Melhor dizendo, a pomada curava quase todas as dores, até mesmo mordida de cachorro. 
Os anos passaram depressa. Hoje em dia não há cavalos nas ruas que constantemente mudaram de nomeAs pessoas já andam calçadas. O mijacãosumiuO basílico usado para fazer a festejada pomada do Princivallifoi também rebatizado, passou a ser conhecido como manjericão, viajando da antiga farmácia para virar tempero depizzaQuase tudo muda. 
Basta ver a lição do Jeca Tatu de Monteiro Lobato veiculada pelo almanaque do Biotônico Fontoura: não se põe pés descalços no chão, mesmo após os cavalos saírem das ruas. Tudo muda. 
 
Promotor de Justiça aposentado e advogado 

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