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Um pai e um lar

Conto hoje parte da história de meu pai para prestar homena­gem a todos os amados pais deste Brasil.

Minha irmã Ruth pendurou em uma das paredes de sua casa o velho retrato de uma maria-fumaça, com meu velho pai acenando da janelinha. Estava saindo para mais uma viagem naquele trem de ferro, soltando fumaça por todos os lados. Meu pai estava fazendo o que mais gostava: trabalhar. Tinha uma verdadeira paixão por seu trabalho. Adorava contar de como começou sua carreira de ferroviá­rio na antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.

Era trabalhador braçal, fazia reparos nos trechos da ferrovia trocando dormentes de madeira corroídos pelas brasas que caíam das fornalhas ou pelas chaminés do velho trem. Como era muito dedicado, logo o promoveram a foguista. Sua missão era alimentar o velho trem com lenha. Desta época, não me sai da cabeça a imagem de minha mãe remendando a roupa de meu pai. Ele voltava de suas viagens sempre com a vestimenta furada por faíscas que saíam das chaminés e que o vento soprava até suas vestes.

Meu velho pai comeu o pão que o diabo amassou, como dizia antigo ditado. Com o tempo, virou maquinista. Depois vieram os trens com motor a diesel, e lá estava ele conduzindo sua máquina, arrastando dezenas de vagões.Trocou o sino e o apito agudo da maria-fumaça por uma fortíssima buzina de ar comprimido cujo barulho o caboclo escutava até onde Judas perdeu as botas ou o vento faz a curva.

Com essa modernidade, seu trabalho tornou-se uma beleza. A roupa estava sempre limpa e sem furos, e a felicidade no rosto do velho era a coisa mais fácil de se notar. Afinal, vindo de onde veio, tornou-se responsável pela condução daquela enorme máquina e seus possantes motores. Eu ficava à beira dos trilhos e via meu pai pilotando aquela serpente de ferro, que se arrastava se linha afora. Meu peito enchia-se de orgulho e eu danava a pensar: “Lá vai meu herói, é meu pai que está no comando daquilo tudo”.

Não durou muito tempo essa sua mordomia porque a conta de quando ele era menino chegou. A família de meu pai vivia numa fazenda de café na região de Altinópolis, a casa era de pau a pique e o famoso o inseto barbeiro fazia pequenos buracos nas paredes de barro e ali construía seus ninhos. Meu pai e seus irmãos, na mais pura inocência, colocavam os pequenos dedos e os bichos como forma de defesa, davam picadas. O velho e meus tios adora­vam,. diziam fazer cócegas.

Meu pai, certo dia, no trecho entre Uberaba e Ribeirão Preto, passou mal no serviço e o médico deu a triste notícia: meu velho estava com a doença de Chagas e foi afastado do trabalho. Aquilo pra ele foi como uma sentença de morte. Morávamos no Jardim Independência, próximo ao quartel, e quando ele ouvia a buzina do trem avisando que estava partindo, sempre dizia: “Lá vai o meu remédio”. Meu pai, Rosemiro Bueno, apelido “Roy” – não sei como e nem o porque deste apelido, só sei que onde existia uma linha de trem todos o chamavam de “Roy”.

Meu velho “Roy”, que criou seis filhos honestos, tudo fez para sal­var minha irmã Railde, dois anos mais nova que eu, que teve um cân­cer terrível, Via seu desespero, apostando em tudo que lhe passavam na tentativa de curar a filha. Disseram a ele que, num sitio em Casa Branca, havia uma qualidade de Ipê-roxo, cuja casca operava milagres. Pegou o trem e voltou com um enorme saco cheinho. Foram muitos chás, mas não teve jeito, Railde nos deixou com apenas 16 anos.

Meu pai se foi faz mais de 30 anos, mas deixou marcas. O velho “Roy”, certa vez, resolveu aprender a andar de bicicleta. Era um tom­bo atrás do outro, ele esbravejava, até que um dia flagrei ele discutin­do com a magrela. Estava em pé, ao lado, e com uma mão segurava o guidom, com a outra o selim e dizia: “Escute aqui, ô bichinha, eu cansei de amansar burro brabo e não vai ser você que vai me derru­bar, não!!!” Até hoje essa imagem povoa minhas lembranças.

Oh!, meu velho pai, que saudade!!!

Abrace, mas abrace muito seu pai, e abrace seus filhos. Você nunca sabe se será o último abraço.

Sexta conto mais…

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