Quem são os bobos que se deixam manipular?
Nuno M. M. S. Coelho *
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O documentário “The Great Hack (Privacidade Hackeada)”, da Netflix, mostra como técnicas de controle das emoções influenciaram processos eleitorais por todo o mundo – incluindo a última eleição brasileira.
O documentário é imperdível. Nos últimos anos, bilhões foram gastos nas redes sociais para mapear a personalidade de eleitores no Brasil, EUA e Reino Unido (e não só), para saber tudo o que nos agrada ou desagrada – nossa cor preferida, religião, orientação afetiva, time de futebol, preferência política, nossos traumas e sonhos… São milhares de informações deste tipo, acerca de cada pessoa, utilizadas em estratégias personalizadas de persuasão.
Às vezes contundente (como o meme carregado de ódio), às vezes sutil (como o uso das nossas cores preferidas ou de imagens e passagens da nossa religião) – a propaganda disfarçada que recebemos nas redes sociais nos influencia de modo profundo. Atiça nossas emoções, criando identificações e aversões fortíssimas.
O ódio que temos do Lula e do PT, por exemplo, ou a admiração por Sergio Moro, foram impostos às nossas mentes e aos nossos corações por técnicas deste tipo?
Tantas vezes defendemos e criticamos com convicção tão grande: será que essas opiniões sejam realmente nossas? Expressam nosso caráter, ou foram criadas em nós para atender aos interesses de outras pessoas?
A técnica levou à vitória de Bolsonaro, um feito realmente inacreditável. Mas será que apenas eleitores do PSL foram vítimas desta fraude? Apenas “Bolsominions” são ingênuos que se deixam persuadir, enquanto os “petralhas” são imunes à manipulação das opiniões e das paixões? Seria muito difícil acreditar nisso!
A investigação mostrou que a estratégia de manipulação começa pela criação de uma grande divisão da sociedade, de modo a romper-se toda possibilidade de diálogo racional entre pessoas com opiniões diferentes. A radicalização e a divisão são importantes para deixar as pessoas completamente entregues às emoções, cada vez mais fechadas nas opiniões sectárias com que se identificam.
A criação de um grupo igualmente sectário, contrário à corrente política que o manipulador quer favorecer, é o primeiro passo para a sua vitória. Os manipuladores identificam pessoas com estas tendências e interesses e atiçam seus ânimos, para que eles assumam o papel do inimigo que deve ser combatido.
Se isto também aconteceu no Brasil, então a parcela da população apaixonada pelo PT e pelo Lula também teve as suas emoções manipuladas, incitadas no ódio?
Somos, então, todos vítimas? Apoiadores e críticos ferozes do governo Bolsonaro ou de Lula temos ideias radicais que foram implantadas em nós para que não pudéssemos sequer pensar em alternativas que levassem em consideração a realidade?
Talvez estejamos por redescobrir o que temos em comum com aquele cunhado radical que defende opiniões ‘estúpidas’.
As convicções inalteráveis dele, assim como as nossas (para ele, nós é que somos estúpidos!), provavelmente foram criadas ou radicalizadas pela mesma máquina de manipulação das opiniões – máquina que não fabrica apenas direitistas mas também esquerdistas fanáticos, mas cujo alvo principal é o conjunto de eleitores indefinidos.
PS: Acusada de conivência no desrespeito à privacidade de dados pessoais de seus usuários, a empresa Facebook (dona também do Whatsapp) deve fechar acordo para pagar multa de 5 BILHÕES de dólares para encerrar os processos em que estas questões são discutidas. Quanto terá lucrado com estas campanhas?
* Advogado, é professor de Direito das universidades de São Paulo (USP) e de Ribeirão Preto (Unaerp) e do Instituto Agenda
Retórica das emoções e a internet
