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Dona Ivone Lara, a rainha do samba

Enfrentando o machismo reinante no universo do samba carioca, e muitas vezes tendo que apresentar sambas de sua autoria como se fossem composições de seu primo Mestre Fuleiro, nossa dama do samba, Dona Ivone Lara, se tornou a primeira mulher a ingressar na ala de compositores de uma escola, a Império Serrano, em 1947.

Ao destacar o pioneirismo da nossa sambista, o pesquisa­dor Ricardo Cravo Albin escreveu: “Ivone Lara – eu diria sem medo de errar – foi tão pioneira com esse evento extraordiná­rio quanto Chiquinha Gonzaga o fora menos de cem anos an­tes ao abraçar e praticar, com fúria e volúpia, a música carioca, também exclusiva dos Adões”.

Dona Ivone teve uma formação musical erudita no in­ternato que frequentou dos 10 aos 18 anos, tendo aulas com a maestrina Lucília, mulher de Villa-Lobos, e com Zaíra, esposa de Donga e cantora lírica que acompanhava Bidu Saião. Nos finais de semana ao ir para casa em Madureira, no Morro da Serrinha, ela convivia com o samba, pois ali era um lugar onde todo mundo sabia sambar, todo mundo falava e pensava no carnaval.

A filosofia de nossa sambista é a de que cada indivíduo constrói o próprio futuro, sendo capaz de mudá-lo a qualquer instante, e que o talento é uma dádiva, nasce com a pessoa, é um dom. Quando indagada sobre como compunha suas músi­cas, ela respondeu: “Não gosto de letra, deixo isso para os meus parceiros e só faço se não tiver jeito. Meu negócio é mesmo a melodia, e ela pode aparecer de repente, até dormindo.”

Seu primeiro grande parceiro foi Silas de Oliveira, e o samba que teve grande sucesso no carnaval de 1965, compos­to por eles foi “Os cinco bailes da história do Rio”. A história desse samba é pitoresca, e foi contada da seguinte forma pela sambista: “Fui me encontrar com Silas e Bacalhau que estavam fazendo a música, mas que já haviam bebido muito e faltava uma parte do samba. Sem condições de terminarem a música, eu fiz a última parte e assinei o samba ao lado dos dois homens, o que se tornou uma grande novidade na época”. Essa música se tornou um dos sambas mais tocados e cantados na história dos carnavais cariocas.
A parceria com Silas durou até o dia 20 de maio de 1972, quando ele teve um infarto fulminante no momento em que tocava “Os cinco bailes da história do Rio” em uma roda de samba, ganhando um dinheiro para pagar a taxa de inscrição do vestibular para a filha.

Após a morte de Silas, seu Oscar, marido da sambista, procurou Délcio Carvalho e pediu para que ele frequentasse mais a sua casa e colocasse as letras nos sambas de sua mulher. Délcio cumpriu fielmente os pedidos do amigo, e dessa longa parceria surgiram vários sambas maravilhosos, dentre os quais podemos destacar “Minha verdade”, “Sonho meu”, “Acreditar”, “Sorriso de criança” e o mais melodioso, “Alvorecer”.

A parceria de Dona Ivone con Délcio Carvalho é tão afi­nada, que ao ser indagado sobre ela, o sambista diz: “Ela faz a melodia primeiro e eu com a melodia na cabeça, faço a letra. Ela diz que eu descubro o que ela pensou”.

Dona Ivone conseguiu uma proeza que nenhum outro sam­bista conseguiu, ser compositora, intérprete de suas músicas e ter parcerias com a maioria dos grandes compositores de sam­ba do país, tais como Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Délcio Carvalho, Hermínio Bello de Carvalho, Caetano Veloso, Paulo César Pinheiro, Jorge Aragão, Bruno Castro, Mestre Fuleiro, Luís Carlos da Vila, Bacalhau, Rildo Hora, Dalmo Cas­telo, Sombrinha, Nei Lopes e Paulinho Mocidade.

Salve a rainha do samba, Dona Ivone Lara!

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