Nos fins dos anos 1960, tinha uma vitrolinha no quarto da minha irmã mais velha e que, se não me falha a memória, trazia a caixa de som acoplada na própria tampa. Isso dava independência aos ouvidos e gostos da primogênita, já que os discos que rodavam na sala eram as preferências dos meus pais, ora Nelson Rodrigues, Altemar Dutra, ora valsas e boleros, que a mim eram incríveis, mas não a ela.
Com uma diferença de idade de 17 anos entre nós, eu era muito pequena para aproveitar os vinis do pessoal da Jovem Guarda, Beatles, mas me lembro de achar linda a capa de um bolachão da Martinha vestida de minissaia e botas longas brancas. Foi nessa vitrolinha que eu também comecei a escutar um cantor que me cativava por falar de peixinhos no mar. Na adolescência, soube que falava muito mais que da vida marítima e que sua importância não se limitava ao quarto com a vitrolinha.
Foi nas rodas de violão, e em outras vitrolas, que os amigos me apresentaram mais músicas do cantor de voz baixinha. A partir daí, foram muitas as vezes que ficamos apenas eu e João Gilberto no meu quarto, ele cantando Águas de Março, Na Baixa do Sapateiro, Falsa Baiana, enquanto eu anotava as letras para aprender a cantar junto com ele.
Aos 17 anos, fui morar em São Paulo com o meu irmão, 12 anos mais velho, já médico e não muito fã de música, com exceção de moda de viola. Mas a minha cunhada era aficionada por MPB e gastava uma bela parte do salário com LPs. Foi quando conheci o disco Brasil com João, Gil, Bethânia e Caetano, os três baianos dando a licença merecida para o carioca brilhar.
Os anos se passaram e minha admiração por João só cresceu e ele esteve junto comigo em vários momentos importantes. Os peixinhos do mar da minha infância embalaram alguns beijinhos, desafinei em muitas rodas de violão, sofri dor de cotovelo com Corcovado, recuperei energias deixando o barquinho ir. Para meu filho, cantei O Pato; para algum amor, ´S Wonderful; para alguém que partiu, Eu e meu Coração.
Hoje, na era da informação, em que a tecnologia nos permite youtube, spotify, google, João se faz presente quase diariamente na minha vida e assim fará porque ele fez o que poucos conseguiram: discutiu com Madame, brigou pelo Brasil com S, mostrou que a gente bronzeada tem o seu valor. Ele e o violão, ele e a batida, ele e a voz única. Agora e sempre será só Bom Bim Bom Bim Bim.