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O cantor famoso e o delegado… gagos

Emílio Duva, amigo querido de São José do Rio Pardo, sabendo que adoro contar histórias e causos, presenteou-me com um livro es­crito pelo cantor e compositor Luiz Airão, “Meus ídolos e eu”. Nele, o sambista carioca descreve situações que viveu nas madrugadas em companhia de cantores e cantoras brasileiros. Vez em quando revisito suas páginas e, como que por encanto, viajo junto com suas escritas, me sinto inserido onde se desenrola o fato.

A parte onde ele fala de Nelson Gonçalves é um primor para o qual tiro meu chapéu. Nelson era gago, diz Airão, contando que no Centro de São Paulo, na avenida Duque de Caxias, havia o Hotel Jandaia, que os artistas – só de sacanagem – apelidaram de Hotel Gandaia.

A gravadora EMI-Odeon, cansada de ver seus contratados es­parramados em vários hotéis, fechou um tipo de arrendamento com o Jandaia para acolher seus cantores. Assim, era um entra e sai de artistas dia e noite. Luiz Airão conta que foi num quarto deste hotel que, no fim dos anos 60, mostrou para Roberto Carlos a música “Ci­úme de você”, que o Rei adorou e gravou fazendo enorme sucesso.

Conta orgulhoso por ter, nessa época, convivido com Nelson Gonçalves, que o cantor Frank Sinatra, ao ouvi-lo cantar, disse: “O mundo precisa ouvir este cantor, é a voz mais linda que já ouvi”. O sambista disse ter ouvido dele histórias incríveis, e que de cada cinco palavras ditas pelo Nelson, três eram palavrões, mas que na sua voz até que soava bem.

Nelson gaguejava muito e quando pronunciava palavras que continham a letra “erre”, tipo rapaz, saía assim: “Rrrrrrrrapaz”. Era como se fosse uma metralhadora, por isso lhe apelidaram de “Me­tralha”. No começo ele ficava uma fera, depois se acostumou e todos o chamavam pelo apelido.

Numa destas resenhas, Nelson (“Metralha”) contou a Luiz Airão que em todas as cidades onde ia cantar havia um cantor que o imita­va. Ficava feliz, só não gostava quando alguém da cidade pedia para ele dar uma oportunidade para o artista local cantar com ele. Até dizia: “Então porque me contrataram? Já tem um Nelson aqui!!!”

Certo dia, numa cidade do interior, a primeira-dama – toda cheia de lero – pediu que deixasse um imitador cantar uma música junto com ele. Nelson ficou uma fera, mas concordou. O cantor local entrou cheio de banca, sendo ovacionado pelo público e logo pensou: “Vou arrasar, este velho, esse velho já era”. Luiz Airão tenta, no livro, repetir as palavras que Nelson disse para o cara: “Meu filho, então vo… vo… você, rrrrapaz… é o… é o… é o Nelson Gonçalves daqui? “Perfeitamente”, respondeu o sujeito.

Nelsão prosseguiu: “Rrrrapaz!!! Dei sinal para o guitarrista que me acompanhava Brasil afora, ele sacou e fez a introdução dois tons abaixo e eu entrei com meu sucesso ‘Quanto mais longe dos teus olhos meu amor… e passei o microfone pro gaiato completar. E ele: ‘Mais me atormenta o calor desta…’ No ‘paixão’, o grave da voz do cara não alcançou a nota e nessa ele dançou”.

Nelson, que já foi preso em sua época de viciado, veio cantar aqui em Ribeirão Preto e quis se apresentar para os presos. O empre­sário dele foi falar com o delegado, que era o Dr. Coimbra, e pediu­-lhe que providenciasse um violonista. Dr. Coimbra descobriu que o maestro Orvildes Simões estava com seu violão no Rancho dos Penhas, perto do Clube de Regatas, e mandou uma viatura buscá-lo, assustando o amigo.

O policial disse: “Sr. Olvirdes, o Dr. Coimbra mandou buscá-lo urgente”. Sem entender nada, o maestro acompanhou o policial. Chegando ao “cadeião”, ali na Duque de Caxias, deu de cara com Nelson Gonçalves saindo de lá muito bravo. E gago nervoso gua­gueja muito mais. “O que aconteceu, Nelson?”, perguntou Orvildes segurando seu pinho. E Nelson disse: “Aqui… qui… qui não ca-ca­-canto mais, o delegado fica tititititirando sarro, na… na minha cara, da minha gaga gaga… gagueira!” Orvildes, rindo muito, disse ao cantor: “Nelson!!! Não é sarro, não… O delegado também é gago!” Imaginem o que virou de risadas naquela delegacia…

Sexta conto mais.

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