O alemão Peter Kurten foi preso, julgado e decapitado em 1931, condenado pela prática de vários crimes entre os quais o de estupro e de assassinato de jovens na cidade alemã de Dusseldorf. Ficou conhecido pelo nome de “O Vampiro de Dusseldorf”, título depois emprestado ao filme expressionista dirigido por Fritz Lang.
Narra o filme que com a repetição contínua dos crimes praticados pelo Vampiro, a população de Dusseldorf passou a exigir uma atuação mais firme da polícia que assim despejou tropas nas ruas, sem conseguir o sucesso esperado. O órgão policial investigava seguindo as regras do direito, as quais, no caso, dificultavam o trabalho de identificação do criminoso. Era ele um homem comum que passeava pelas ruas de chapéu e gravata. Quase sempre assoviando uma música. Não levava jeito de criminoso.
Os ladrões reuniram-se e resolveram também investigar o caso porque já não conseguiam mais exercer plenamente os atos de sua maldita profissão, tendo em conta o grande número de policiais na rua. Os ladrões decidiram substituir os policiais. Quase imediatamente, prenderam o Vampiro e o submeteram a um julgamento secreto.
O Vampiro defendeu-se contestando a competência jurídica dos ladrões para prendê-lo como para julgá-lo. Os ladrões reconheceram não ter poderes estatais porém decidiram que tinham o dever jurídico de matar o Vampiro, valendo-se de dois argumentos.
Primeiramente concluíram que entre a vida do Vampiro e a vida das crianças passiveis de serem estupradas e mortas, mandava a lógica e os bons costumes melhor executar o criminoso.
Em segundo lugar, concluíram que a eliminação do estuprador contribuiria para diminuir o número de policiais nas ruas, militando em favor daqueles que se especializaram em subtrair criminosamente bens móveis alheios.
O caso contribuiu para o estudo não apenas do exercício da força policial como também para o exame dos poderes do Estado exercidos por criminosos ou não criminosos com os membros da sociedade civil.
O tema tem importância para examinar a conduta de servidores públicos e de particulares que decidem atuar fora de suas competências, seja para satisfazer o interesse público, ou seja, para contrariá-lo. O jurista argentino Genaro Carrió, em “Sobre los limites del linguaje normativo” examinou questão criando hipótese que coincide com fato histórico ocorrido no Brasil: em 1969 três militares editaram a Emenda Constitucional número 1, revogando a Constituição, substituindo-a sem consultar o povo ou o Poder Legislativo. Pode? Não pode? Valeu como nossa Constituição por muito tempo.
No caso alemão, quem seria o culpado ou o inocente? O Vampiro estuprador defendendo sua vida? Os ladrões que pretendiam salvar vidas inocentes e roubar mais? Ou a polícia que, no exercício dos poderes estatais, não encontrava meios para solucionar o caso? Estão todos errados? Estão todos certos e ao mesmo tempo errados?
Segundo o padrão democrático, o povo, como componente da sociedade civil, pode fazer tudo, menos o que for proibido pela lei. Reversamente, os servidores públicos nada podem fazer, salvo o que for autorizado pela lei.
Alfredo Buzaid afirmou, no seu livro “Do mandado de segurança”, que foi a sociedade civil, ou seja, o povo, que criou o Estado, e não o contrário. Ainda assim, até hoje os homens e as autoridades buscam respostas decisivas para as perguntas suscitadas pelo Vampiro de Fritz Lang.