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O ‘Rei’, o delegado e a ‘voz da prisão’

Nos tempos do romantismo, Ribeirão Preto teve três delegados de polícia que tinham uma coisa em comum: adoravam música. Os “xe­rifes” da cidade eram Dr. Byron Brandão, Dr.

Eugênio e Dr. Coimbra. O doutor Byron, que os mais chegados chamavam carinhosamente de “Bayrinho”, gostava de cantar e imitava com muito talento humoristas e cantores da época. Dizem que sua imitação do saudoso Ronald Go­lias era show de bola. Era tio da cantora Ana Maria Brandão, finalista do Programa Flavio Cavalcante cantando Elis Regina e que deixou Ribeirão Preto pra tentar carreira de cantora em Sampa.

Dr. Eugênio, que na cidade era conhecido como “Americano”, era uma tremenda figura. França, músico tecladista de primeira, me contou que o Dr. Eugênio ganhou este apelido porque, quando jovem e estudante de Direito, trabalhava nas Lojas Americanas. Era do alto escalão da loja, vivia nas rodas de músicos tocando com maestria sua gaita de boca, os músicos iam buscá-lo na loja e muitos não sabiam seu nome, daí já foram arrumando o apelido de “Ameri­cano” pro doutor delegado, uma referência ao local de trabalho – e o pseudônimo pegou (hehehehe).

Nessa muvuca toda, ele formou-se e prestou concurso pra delegado e passou. Seus amigos continuaram os mesmos boêmios de outrora. França disse que, naquele tempo, a cidade era a maior calmaria, nada acontecia se compararmos com nossos dias e “Ame­ricano”, quando estava de plantão, ligava para que alguns músicos fossem lhe fazer companhia. O mais presente era o maestro Orvildes Simões e seu violão. O plantão virava aquela sinfonia.

Faz algum tempo, escrevi uma crônica em que citava um delegado que levou Roberto Carlos pra cantar para os presos, o Dr. Coimbra. Depois de ler minha crônica, Clélia me ligou dizendo que era filha do doutor. Ela pertence ao grupo musical Sexteto Colibri e herdou do saudoso pai o prazer pela boa música. Toca violão 7 cordas e eu já tive o prazer de cantar ouvindo seus acordes e seus bordões.

Semana passada, ela me passou, via Facebook, uma interes­sante história que aconteceu com seu pai, o Dr. Coimbra, e Nelson Gonçalves. Eu disse a ela que o relato daria uma bela crônica, então Clélia me revelou mais detalhes, mas também quis falar sobre Ro­berto Carlos. Ela contou que seu pai conheceu o “Rei” quando era delegado em Sorocaba e a Jovem Guarda estava bombando.

Roberto Carlos estava no palco do Ginásio de Esportes – lota­daço –, mas dedilhava o violão e não cantava. O tempo foi passando e ele lá, fazendo acordes e nada de cantar. O público nada entendia e já dava sinais de que não estava gostando. Então, o Dr. Coimbra, encarregado da segurança e muito preocupado, foi até o palco e enquadrou o “Rei”. “O quê está acontecendo, Roberto?”

O “Rei” disse que não cantaria porque o empresário malandro fugiu com todo o dinheiro do show. Dr. Coimbra disse “vem comigo” e deu um toque para o público avisando que ele voltaria pra cantar. Os dois deram uma volta de viatura por toda a cidade, sem sucesso – o malandro vazou. O delegado voltou-se para o cantor e falou: “Rober­to, você precisa cantar, imagine o que pode acontecer se não cantar, serei obrigado a te dar voz de prisão. Todos pagaram pra te ver cantar”. Imagine a voz mais conhecida do Brasil recebendo “voz de prisão”…

Roberto Carlos não pensou duas vezes, cantou e a plateia foi ao delírio. Deu até autografo para Clélia, adolescente na época e que até hoje guarda a rubrica como lembrança. Tempos depois, Dr. Coimbra foi transferido para Ribeirão Preto e o “rei” veio cantar aqui, já com seu conjunto RC7. O delegado, então, foi com sua Kombi ao Stream Palace Hotel e pediu pra ele cantar para os presos.

Roberto o recebeu carinhosamente, lembraram da antiga história em Sorocaba, riram um bocado, ele consultou sua esposa Nice e ela disse: “Acho que você deve ir”. Clélia estava junto com papai e com seu violão a tiracolo, o “Rei” sem frescura nenhuma entrou na Kombi do delegado e todos rumaram pra delegacia. Ele pegou o violão da Clélia e cantou para uma plateia inédita, que respeitosamente ouviu e aplaudiu Roberto Carlos com amor. Naquele dia o “Rei” virou a “voz da prisão”.

É por isso que ele até hoje é chamado de “Rei”. Sexta conto mais.

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