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‘Nunca aos domingos’

O filme “Nunca aos domingos”, dirigido em1960 por Jules Das­sin, narra a história de uma prostituta, protagonizada por Melina Mercouri, então chamada por Ilia, que exercia sua antiga profissão durante todos os dias da semana, menos aos domingos, dia então dedicado a conviver com os seus amigos num bar ou na praia do porto grego do Pireu.

Surge no ambiente um norte-americano, chamado Homer, que havia desembarcado na Grécia para pesquisar a causa que levou os gregos de hoje a fugir do figurino do passado, não se identificando com Platão, Aristóteles e Sófocles. Homer é protagonizado por Jules Dassin que, na vida real, era esposo de Melina Mercouri. Em razão de seu extraordinário trabalho, Melina recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes. Faço referência às últimas cenas do filme.

Num domingo Ilia vai ao bar encontrar-se com os amigos. Ali está Homer. Todos bem emburrados. Ilia pergunta onde está o músi­co Táki que já deveria estar tocando o seu instrumento denominado “bazouka”. Os presentes esclarecem que Taki está numa sala dos fundos e que se nega a tocar qualquer música.

Ilia dirige-se à sala dos fundos e insiste com Taki para que venha ao salão principal apresentar suas músicas. Taki avisa que jamais to­cará qualquer instrumento porque não havia estudado música, não sabendo o que era colcheia, semicolcheia, fusa e semifusa. Esclarece que o americano Homer havia sentenciado que quem não conhece essas regras não pode tocar qualquer instrumento musical.

Ilia fica brava. Dizendo que Homer estava redondamente errado tanto que os pássaros cantam o dia todo sem conhecer qualquer nota musical. Ilia acrescenta que os pássaros e os músicos de boteco não conhecem o que é colcheia e semicolcheia mas que, mesmo assim, cantam o dia todo.
Daí se extrai que quem não consegue apresentar a música tirada da natureza, vê-se obrigado a decifrar a linguagem construída pelos ho­mens. Ilia conclui que quem não tem a música na alma, vê-se obrigado a conhecer a linguagem daqueles que guardam a arte dentro dela.

Taki, convencido por Ilia, volta ao salão principal, toma seu instrumento, põe-se a encantar o domingo dos gregos. O tema já tinha sido referido durante o filme, ao destacar o aparente conflito existente entre a natureza e a linguagem criada pelos homens para tentar compreendê-la.

A dificuldade está esparramada por toda parte e já foi objeto do pequeno grande livro “Sobre los limites del linguaje normativo”, do aplaudido jurista argentino Genaro Carrió.
Um tema abismal é a definição do limite da existência da norma de conduta que pode apresentar-se como pública ou privada, cons­titucional ou infraconstitucional, assim evoluindo pelos caminhos indicados pelos métodos, muito dos quais se chocam como se esti­vessem presentes no juízo final.

Seria possível ampliar o discurso de Ilia para acrescentar que alguns seres fazem música naturalmente. E outros não, mas, que assim, acabam inventando uma linguagem musical, reduzindo-a às fusas e às colcheias, para que possam lidar com algo que natural­mente não se apresenta em sua alma. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, segundo os lógicos.
O americano Homer acaba por aderir ao ambiente e põe-se a beber e a dançar. Aproxima-se de Ilia e, num arroubo, grita que ela é um “símbolo”. Um dos frequentadores imediatamente corrige para dizer que Ilia não é um “símbolo”, mas, sim, uma mulher.

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