De onde parte essa onda de falsidades, versões, simulações e dissimulações que se espraia pela paisagem? Nunca se ouviu um disse me disse tão farto quanto este do repertório de invencionices que usa gravações de conversas, edições de vídeos, vazamentos de mensagens, envolvimento de juízes e procuradores e até redes tecnológicas internacionais?
Fragmentos do que se ouviu nos últimos dias: Hacker russo, bilionário russo, pagamento em bitcoins; Gleen Greenwald, jornalista americano sediado no Brasil, articulador de vazamentos; disseminação de hashtags falsas; compra do mandato de Jean Wyllys para renunciar e dar lugar ao deputado David Miranda (PSOL).
E mais: o russo da história seria Pavel Durov, 35 anos, criador do Telegram, que só se veste de preto e muda de casa com frequência com temor dos manda-chuvas do Kremlin. Ao lado do irmão Nikolai, ele desenvolveu a plataforma Telegram para conversar sem risco de ser espionado pelo governo de seu país. A ideia surgiu quando os dois ainda eram donos da maior rede social da Rússia, a Vkontakte (VK), criada em 2006.
Lembre-se: a plataforma teria sido a usada pelo ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.
O que é verdade? Que houve muita conversa entre eles, não há dúvida. Mas é fato que o fingimento faz parte da nossa cultura, e se mostra forte nesses tempos de polarização, quando adversários se atracam nas redes sociais desfechando punhaladas recíprocas. O caráter nacional, como é sabido, é povoado de fingimento. A propósito, vai aqui uma historinha com essa faceta:
31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto da Pampulha. Benedito, matreiro, pergunta à outra raposa:
– Alkmin, para onde você vai?
– Para Brasília.
– Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília.
Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond:
– O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília.
Eis um despiste bem do jeitão brasileiro: vou enganar meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. Envolve a sagacidade de um e a malandragem de outro. Eles querem dizer: “quando você pensa que está indo, eu já estou voltando”.
A esperteza não se restringe aos atores políticos. Faz parte do cotidiano das pessoas. Os comportamentos na esfera política costumam infringir normas, coisa que herdamos do passado. A clonagem na cultura política chega, hoje, ao mais adiantado grau de sofisticação. A Operação Lava Jato tem sido gigantesco duto por onde passam verdades, meias verdades, mentiras e lorotas. Estamos diante da maior escalada de pistas, muitas falsas, de nossa história, envolvendo atores políticos de amplo espectro, alguns presos, outros denunciados, enquanto adversários travam guerra na arena das redes sociais. Onde vamos parar?
Imensa confusão invade as mentes. Afinal, Lula está preso por ter cometido crime ou por ter sido injustiçado pelo então juiz Moro? Teve culpa ou não nas denúncias como favorecido nos casos do tríplex no Guarujá e no sítio de Atibaia? Houve ou não roubo nos cofres da Petrobras? Tudo foi obra da imaginação de delatores mancomunados com procuradores? Moro fez combinação ou não com Dallagnol?
A história da política é rica nas frentes da simulação e dissimulação. O cardeal Mazarino, ministro de Luis XIII, ensina em seu Breviário dos Políticos: “age com os teus amigos como se devessem tornar inimigos; o centro vale mais do que os extremos; mantenha sempre alguma desconfiança em relação a cada pessoa; a opinião que fazem de ti não é a melhor do que a opinião que fazem dos outros; simula, dissimula, não confies em ninguém e fala bem de todo mundo. E cuidado. Pode ser que neste exato momento, haja alguém por perto te observando ou te escutando, alguém que não podes ver”.
A descrição cai bem no momento que atravessa o país. A falsidade campeia, na tentativa de esconder a verdade. Até parece que os “inventores de causos” que emergem quase todos os dias nas redes sociais aprenderam com Nicolau Eymerich, frade dominicano espanhol que, em 1376, escreveu no “Manual dos Inquisidores”: falar sem confessar: responder às perguntas de maneira ambígua; responder acrescentando uma condição; inverter a pergunta; fingir-se de surpreso; mudar as palavras da questão; deturpar o sentido das mensagens; auto justificar-se; fingir debilidade física; simular demência ou idiotice e até se dar ares de santidade.
Hoje, há muito demônio disfarçado de santo.