No campo musical, sempre valorizei o compositor, pois sem ele não haveria a música. Em meus comentários, cito com prazer quem fez a canção. Dia desses, lendo a discobiografia escrita por Luiz Fernando Vianna sobre João Nogueira, tomei conhecimento de fatos que até então não sabia. Fã de carteirinha do autor da pérola “Espelho”, e conhecedor de muita coisa sobre ele, fiquei impressionado com a parte em que João Nogueira levou um lero com o compositor Ivor Lancellotti.
Ivor trabalhava na Rádio Globo e circulava pelas noites cariocas, sempre gozando da companhia de artistas consagrados. Certa noite, dividindo uma mesa com João Nogueira, reclamou que ninguém gravava suas composições. Elogiavam sua forma de escrever, de criar melodias, mas “neca de pitibiriba” de alguém gravar. João ouviu o amigo atentamente e sugeriu a ele um banho de manjericão pra tirar toda essa “zica” que não deixava as coisas acontecerem.
Pra fechar a parada, disse: “Lancella, vá em minha casa que eu tenho no meu jardim a matéria-prima, é manjericão a dar com pau, vou lhe dar um banho da cabeça aos pés, vais ver o resultado, basta que acredites.” Dia marcado, Lancellotti, pontual como sempre, estava lá para o tal banho “afasta catiça”. João Nogueira pediu a ele que ficasse só de cueca, cortou um maço caprichado de manjericão e esfregou pelo corpo do amigo.
João falava: “Tenha fé, Lancella, tenha fé que sua vida vai dar uma guinada.” O amigo ficou com um cheiro de manjericão daqueles de pizza margherita. O tempo passou, João seguiu sua vida e continuou a ser constantemente confundido com o cantor e compositor Luiz Airão. Ficava uma fera quando tal fato acontecia e contava, rimando: “Por mais que apareço na televisão, sempre aparece um sacana para me chamar de Luiz Airão”.
Certa manhã, num aeroporto, ele ainda meio que sonolento, viu de longe um homem vindo pro seu lado e comentou com o músico que o acompanhava: “Olhe só aquele cara vindo em nossa direção. Preste atenção, ele vai vir aqui me chamar de Luiz Airão”. E o músico emendou: “O que é isso, João, o cara nem está vindo pra cá, ‘mermão’”, disse o parceiro.
Segundos depois, o homem se aproximou: “Luiz Airão, me dá um autógrafo!” Foi saudado com uma saraivada de palavras pouco poéticas. Dias depois do banho de manjericão, João Nogueira ligou para Ivor Lancellotti ir até um bar em Copacabana – e ele foi. No meio daquele burburinho todo, foi logo dizendo: “João, tenho novidades, o Roberto vai gravar uma música minha”. “Maravilha!”, rebateu João. “Falei que aquele banho ia funcionar, mas engraçado, estive com Roberto Ribeiro ontem e ele não me falou nada”.
“Não é o Roberto Ribeiro, João, é o Roberto Carlos”, disse Lancelotti. “Pô, Lancella! Foi aquele banho! Foi aquele banho! E comemoraram muito”. Naquele ano, Lancellotti teve outras sete composições gravadas por vários famosos. Roberto Carlos gravou a belíssima “Abandono”, mas Lancellotti ficou queimado com Roberto Carlos por ter dito ao rei que a música era inédita, e já havia sido gravada por Eliana Pittman, sem sucesso. Roberto se sentiu enganado.
Depois deste babado todo, esse tal banho de manjericão virou assunto obrigatório nas resenhas de rodas de samba e João Nogueira, aproveitando sua veia de compositor e antenado como só, compôs o belo samba “Banho de manjericão”, imortalizado na voz e interpretação magistral de Clara Nunes. Depois, muitos outros também gravaram a música, inclusive João Nogueira.
Sexta conto mais.