Por Antonio Perez
Depois de sucessivos ensaios nos últimos dias, o dólar rompeu definitivamente o teto dos R$ 4 na sessão desta quinta-feira, 16, em meio ao fortalecimento global da moeda americana e, sobretudo, a busca por proteção diante da deterioração contínua do capital político do presidente Jair Bolsonaro. Com mínima de R$ 3,9947 e máxima de R$ 4,0416, o dólar à vista fechou em alta de 0,98%, a R$ 4,0357, o maior valor de fechamento desde 28 de setembro do ano passado. E as perspectivas de operadores e analistas ouvidos pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, são de que a taxa de câmbio se mantenha acima de R$ 4 no curto prazo.
A corrida ao dólar começou já na abertura dos negócios em meio à conjunção de alta da moeda americana no exterior e ao aumento das tensões políticas. À surpresa com a magnitude dos protestos de rua na quarta contra o contingenciamento da educação somaram-se as preocupações com os desdobramentos da quebra do sigilo do senador Flávio Bolsonaro, aparentemente envolto em transações suspeitas com imóveis.
As declarações de Bolsonaro, que chamou manifestantes de idiotas, e a piora da situação fiscal, com o governo sem forças nem para aprovar com facilidade crédito suplementar, completavam o quadro de desalento. Um presidente com capital político erodido e sem base de apoio no Congresso significa dificuldades enormes para aprovação de uma reforma da Previdência robusta, ponto considerado essencial para retomar a confiança e consequente recuperação da economia.
“Não se sabe se vai demorar muito mais para a aprovação da reforma da Previdência e qual vai ser a desidratação. Isso faz o mercado tomar uma postura mais defensiva”, afirma Felipe Pellegrini, gerente de Tesouraria do Travelex Bank, ressaltando, contudo, que a piora das perspectivas para a economia também contribuem para depreciação do real. “Antes era só a questão da Previdência. Agora, temos a projeção de PIB muito fraco e essa questão dos protestos. A tendência é de alta do dólar no curto prazo.”
Ao quadro interno turbulento somava-se a rodada de alta global do dólar após dados positivos da economia americana, com fortes ganhos ante o euro e a maioria das divisas emergentes. O Índice DXY – que compara o dólar a uma cesta de seis moedas – subiu 0,27%, em dia de perdas do euro. A moeda americana também apresentou ganhos firmes em relação a divisas de países emergentes, com destaque para a lira turca e o rand sul-africano
O real já apresentava o pior desempenho entre moedas emergentes ao longo da tarde quando uma pesada onda de ações da Vale, que alertou para risco de rompimento de barragem em Minas Gerais, levou o Ibovespa a perder os 90 mil pontos e agravou a tensão no mercado de câmbio. Com as vendas na bolsa, o dólar engatou uma sequência de alta e renovou sucessivas máximas até atingir R$ 4,0416. Operadores notaram movimentos técnicos de liquidação de posições vendidas e aumento da procura de hedge no fim da tarde, no ápice do nervosismo.
Para o especialista no mercado de câmbio Jefferson Laatus, sócio-fundador do Grupo Laatus, o real é vítima de uma tempestade perfeita, com o movimento concomitante de fortalecimento global da moeda americana e de perda de confiança dos investidores no governo. “São muitas questões, como os protestos, o cumprimento da regra de ouro, o problema do Flávio Bolsonaro e a própria postura do presidente. Tudo isso faz o mercado buscar segurança no dólar”, diz Laatus, ressaltando que o “mercado está descrente”.
Apesar do estresse dos últimos dias, analistas não veem motivo para intervenção do Banco Central, já que não há disfuncionalidades no mercado de câmbio e já há provisão de hedge por meio de rolagem de swap cambial.