Por Eliezer Guedes
É bem provável que a maioria das pessoas que passa pelo quilômetro 323 da Rodovia Candido Portinari, próximo ao distrito de Jurucê, desconheça que a unidade prisional ali existente tem população parecida com a de alguns municípios da região, como Santa Cruz da Esperança, por exemplo. É que, lá dentro, existe uma verdadeira cidade formada por 1.780 habitantes, muitos deles condenados pela Justiça por crimes relacionados às drogas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- (IBGE), Santa Cruz da Esperança possui 2.460 habitantes, ou seja, 680 a mais que o total daquela unidade prisional.
Inaugurado em 2013, o Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis funciona em uma área de 800 mil metros quadrados, abriga presos do regime semiaberto que não cometeram crimes sexuais, tem 150 funcionários e infraestrutura física e organizacional que foge ao conhecido estereótipo de cadeia. Na verdade, o Centro construído para abrigar 1.080 detentos presidiários funciona como uma grande empresa.
O projeto desenvolvido pela equipe técnica é estruturado e segue etapas bem definidas. Ao chegar à unidade e após os trâmites administrativos, o preso, geralmente oriundo de presídios da região, é encaminhado para um dos alojamentos. O Centro de Progressão não possui as conhecidas celas, comuns em outros presídios. Elas foram substituídas por 24 alojamentos com capacidade para 50 presos cada um. Cada alojamento é fechado por uma grade
O acompanhamento diário dos detentos também é diferente e feito por meio de crachá individual com código de barras. Assim, a central de monitoramento do CPP sabe onde cada um dos detentos está e o que faz em tempo real. Exemplificando: quando ele deixa do alojamento para trabalhar em uma das oficinas é obrigado a passar o crachá em um dispositivo eletrônico que informa à central de onde ele saiu. Quando chega ao destino, repete a operação informando aonde chegou. Vale lembrar que a revista e o controle pessoal e tradicional também são utilizados.
Trabalho contra a ociosidade
Outro fator que ajuda diminuir a ociosidade dos internos é o número de oficinas de trabalho instaladas no Centro de Progressão. Para os recém-chegados existem três: a de montagem de pregadores de roupa, a de plantio de mudas de cana de açúcar – para uma empresa que as comercializa para produtores do setor -, e a de confecção de cigarros de palha. Estas atividades são distribuídas nos oito galpões do Centro de Progressão e permite que as mais variadas empresas façam parcerias e possam montar sua linha de produção nestes locais.
Para ampliar o total de oficinas, a direção do Centro tem feito a busca ativa de novas empresas parceiras. Vale lembrar que os presos que realizam este tipo de atividade recebem salário correspondente à produção realizada, têm jornada de trabalho de oito horas diárias, com horário para entrar e para sair e a obrigatoriedade de registrarem isso por meio de cartão de ponto. Todo dinheiro que cada um recebe é depositado em uma conta pecúlio em nome do presidiário. Dez por cento do valor depositado não pode ser utilizado e irá servir de poupança para quando conquistar a liberdade definitiva.
O restante, quase sempre é utilizado para despesas pessoais e o sustento da família. Em media ganham cerca de 75% de um salário mínimo, algo em torno de R$ 750.
Já os presos que estão em estágio de reinserção mais adiantado trabalham na área externa, seja na cozinha, fazendo a manutenção dos prédios e dos jardins do entorno. Este é o caso de Renato Aparecido Fernandes, de 44 anos. Condenado por Trafico de drogas e há um ano no CPP faz a manutenção elétrica da unidade, pois já era eletricista antes de ser preso. “Também estou aproveitando para cursar eletrotécnica,” explica.
Entretanto, o grande empreendimento na área externa da unidade é a plantação de verduras, legumes e frutas. O cultivo é orgânico, sem uso de agrotóxicos, envolve 120 internos e surpreende pela produção: cinco toneladas por mês, o que dá uma produção média de 170 quilos por dia. Toda a produção é utilizada na alimentação – café da manhã, almoço e jantar – da população carcerária e dos funcionários.
Ultima etapa
A etapa mais avançada do cronograma de reinserção consiste no trabalho fora da unidade em empresas ou prefeituras interessadas em “contratar” os internos. Atualmente, quatro prefeituras da região e oito empresas têm este tipo de parceria com a unidade penal (ver texto na próxima página).
De acordo com o diretor técnico do Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis, Evandro Bueno Campanhã, todo trabalho é sistematicamente organizado para possibilitar a reinserção do preso. “Tentamos fazer esse processo funcionar de maneira que eles tenham a oportunidade de se estruturarem profissionalmente, emocionalmente e psicologicamente para voltar ao convívio social,” afirmam Campanhã e os diretores de segurança, Rodrigo Pereira dos Reis, e o de produção, Agnaldo Batista dos Santos.
Eles admitem que a decisão de voltar ou não para a criminalidade cabe unicamente ao preso. “Tentamos oferecer o máximo possível de opções para eles se reintegrarem, mas aceitar ou não depende essencialmente deles,” afirmam.
A unidade também tem uma escola com cerca de 300 alunos (ver texto nesta página).
Apesar de todo este trabalho, o CPP não está imune às crises. Desde sua inauguração, em 2013, o Centro de Progressão já registrou uma rebelião. Em setembro de 2016, cerca de trezentos detentos se insurgiram durante uma revista de rotina. Eles atearam fogo em colchões de um dos pavilhões do presídio, derrubaram uma grade de quatro metros de altura e fugiram a pé pela Rodovia Cândido Portinari.
Alguns se esconderam no meio de um canavial, onde havia um incêndio. Oito detentos ficaram feridos e foram levados a hospitais de Ribeirão Preto e de Jardinópolis. Na época a Secretaria de Assuntos Penitenciários informou que todos fugitivos foram recapturados.
Com quatro salas de aula a escola do Centro de Progressão Continuada oferece cursos que vão do ensino fundamental, ensino médio até cursos profissionalizantes. Possui trezentos alunos e funciona de segunda a sexta-feira nos períodos da manhã, tarde e noite. Dezesseis professores da Rede Estadual lecionam no local e, em alguns casos, detentos que possuem formação técnica também acabam se transformando em monitores.
André Juliano, de 40 anos é um deles. Condenado por homicídio e há dez meses no Centro possui formação superior em Educação Física, pós- graduação em Biomecânica e virou monitor do curso de informática, além de auxiliar na parte administrativa da escola. “Meu objetivo de vida é lecionar e quando sair daqui vou investir nisso,” projeta. André deve ganhar liberdade definitiva no final do ano.
Outro detento que também viu na educação a possibilidade de reinserção foi Reginaldo Sérgio Figueiredo, de 30 anos. Condenado há doze anos por tráfico de drogas, ele chegou ao CPP há quatro meses. Com o ensino médio concluído se dedica a ajudar na parte administrativa da escola e, nos fins de semana, faz curso de pintura profissional em Jardinópolis. “Estou me qualificando para quando sair daqui ter como recomeçar,” explica Reginaldo, que deverá ganhar liberdade definitiva em 2021.
Entusiasta
Diretora do Núcleo de Educação do CPP, a assistente social, Ana Carolina de Lima Cordeiro é uma entusiasta da educação como forma de reinserção social. Sua experiência com educação para presos começou ainda na faculdade, quando desenvolveu um projeto na Penitenciária de Serra Azul.
Depois de formada prestou concurso público e acabou no Centro de Progressão de Jardinópolis. Entre as conquistas que vivenciou neste trabalho, duas ela considera especiais: ver dois internos começarem a cursar faculdade pelo sistema à distância. “Sei que eles vão sair logo daqui e tenho certeza que estão se preparando e criando condições para continuar os estudos lá fora e se formarem,” comemora.
Além da escola o Centro de Progressão Penitenciário também investe na parte espiritual dos internos. Para isso, possui um amplo espaço ecumênico onde todas as religiões podem realizar suas reuniões com os internos que desejarem. Cada dia é reservado para uma igreja, como por exemplo, a Igreja Assembléia de Deus. As atividades acontecem todos os dias das 19 às 20 horas e aos sábados e domingos durante dia.
Vale lembrar que todos os presos, seja de que cadeia for, têm direito à atividade religiosa, mas para que uma igreja possa realizar este trabalho é necessário entrar em contato com a Secretaria Estadual de Assuntos Penitenciários (SAP) e atender a uma série de requisitos. Somente depois desta etapa, então é autorizada a realização das atividades religiosas.
Na região, outras unidades prisionais onde este trabalho tem recebido apoio dos diretores são a Penitenciária Masculina de Ribeirão Preto e o Centro de Detenção Provisória de Ribeirão Preto.
Presos trabalham para a população – Como contratar um reeducando
Qualquer empresa ou entidade pode empregar um detento desde que esteja com sua situação administrativa regularizada. O empresário ou responsável pelo órgão deve entrar em contato com a Fundação de Amparo ao Preso ou com a unidade prisional e apresentar a documentação necessária.
No caso do Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis o contato pode ser feito pelo telefone (16) 3659-0300 ramal 256 ou pelo e-maill: cte@ cppjardinopolis.sap.sp.gov.br
Atualmente, 420 presos da região trabalham para cinco prefeituras, realizando serviços para atender as necessidades da população – e para oito empresas da região de Ribeirão Preto. Deste total, 119 prestam serviço para a Prefeitura de Ribeirão Preto, 57 para a de Jardinópolis 23 para Brodowski, 87 para Pontal e 134 para Araraquara. O projeto denominado Reintegra faz parte de última etapa de reinserção dos detentos do regime semiaberto na sociedade e funciona da seguinte forma: As empresas e prefeituras interessadas assinam termo de parceria com a unidade prisional para a cessão destes trabalhadores. A parceria prevê a realização de trabalhos, geralmente em áreas como manutenção geral, jardinagem,
entre outros e uma jornada de trabalho de oito horas por dia, com controle de entrada e saída. A alimentação é fornecida no local de trabalho pelo empregador e também é responsabilidade dele fazer o transporte do preso do presídio ate o local de trabalho e vice-versa. Todos usam tornozeleira eletrônica. Cristiano dos Anjos Assunção, de 31 anos, condenado por receptação e há cinco meses no CPP é uma dos beneficiados com o trabalho externo. Com curso superior incompleto em serviço social, mostrou aptidão e atualmente trabalha como auxiliar administrativo no Fórum de Justiça de Ribeirão Preto. Mais precisamente na 1ª e 2ª Varas Criminais onde atua no setor de patrimônio e almoxarifado. “Devo sai em liberdade nos próximos meses e tenho certeza que vou ter um recomeço muito bom. Deus vai me ajudar,” afirma. Pelo trabalho externo o reeducando recebe uma bolsa auxílio correspondente a 3/4 do salário mínimo – hoje de R$ 748,50 – além da remição estabelecida no artigo 126 da Lei de Execução Penal. Para cada três dias trabalhados um dia é reduzido da pena. Vale destacar que os presos não são contratados pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas pela Lei de Execuções Penais. Portanto, ele não tira posto de trabalho de um cidadão comum porque não tem vínculo empregatício, não é registrado em Carteira de Trabalho, não tem férias, e nem direito a Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Para participarem do programa os presos devem estar no regime semiaberto (cumprimento mínimo de 1/6 da pena), apresentar aptidão e disciplina. Atualmente, a Ordem dos Advogados de Ribeirão Preto (OAB-RP), o Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis e Juízes das áreas Trabalhistas e Criminais da comarca de Ribeirão Preto tentam ampliar a parceria com a Prefeitura de Ribeirão Preto. A ideia é aumentar para 200 o total de reeducandos a serviço da população. “É importante frisar que o apenado está nessa condição por um determinado período e que tanto ele quanto a comunidade precisam estar preparados para seu retorno às ruas. Nosso papel é mostrar ao empresariado o quão benéfico é ter a mão de obra do reeducando também do ponto de vista rentável”, afirma o presidente da OAB Ribeirão, Luiz Vicente Ribeiro Corrêa.
Quem pode trabalhar
A Lei de Execução Penal estabelece em seu artigo 28 que apenas os presos já condenados em definitivo tem que trabalhar. “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”, diz o texto. Atualmente 59.279 presos trabalham nas unidades da Secretaria de Assuntos Penitenciários do Estado de São Paulo. No total existem 2.710 reeducandos em regime semi-aberto na região de Ribeirão Preto.