Não há dados oficiais do número de moradores de rua em nível nacional e muito menos local. Defensoria Pública da União e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – travam na Justiça uma queda de braço sobre o assunto. O primeiro exige a contagem, e o segundo alega falta de logística para isso. Em meio à discussão, vive-se na prática a situação de vulnerabilidade e extrema pobreza, aliada à falta de políticas públicas para resolver os problemas dessa população.
Apesar da escassez de dados científicos, uma recente pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com base em dados de 2015, projetou que o Brasil tem aproximadamente 100 mil pessoas vivendo nas ruas.
Em outra pesquisa, desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Social entre os anos de 2007 e 2008 detecta os motivos que levam as pessoas a morar nas ruas: alcoolismo e/ ou uso de drogas (35,5%), perda de emprego (29,8%) e conflitos familiares (29,1%).
Em Ribeirão Preto, a exemplo de outras grandes cidades o problema é visível. Mas o terceiro setor aparece com medidas que são como uma luz no fim do túnel. Um desses projetos partiu de quem viveu o problema na pele e tem como objetivo principal oferecer uma segunda chance a quem mora na rua e é dependente químico.
Ricardo Tostes, até os 37 anos viveu no mundo das drogas. Quem o vê hoje, aos 42 anos, no quarto ano do curso de psicologia, com uma família estruturada e abnegado pelo projeto que desenvolveu o Casa Apoio – Mudando Vidas, não imagina que ele também esteve no fim do túnel.
O projeto não visa apenas acolher pessoas em situação de risco e no mundo das drogas e álcool. Mas também ajuda ao dependente ter cidadania, acesso a tratamento e reestruturação pessoal. “Me internei em uma comunidade no dia 17 de junho 2014 e saí no dia 17 dezembro do mesmo ano. Nesse tempo vendo e vivendo a situação, nasceu a ideia,” explica.
Tostes disse que era repreendido quando fazia perguntas e pensou em mudar, dar atenção e apoio. “Mesmo quando era interno, ajudei duas pessoas, pois tinha experiência na rede hoteleira”, conta.
O projeto existe há cinco anos, mas há três está legalizado. Tem público exclusivo: dependentes químicos, alcoólicos e moradores de rua. Mais de 500 pessoas passaram pelo projeto. “Percebi que havia o trabalho das comunidades terapêuticas, mas faltava o de reinserção, além de outros acompanhamentos, o que levava a pessoa novamente à vulnerabilidade, às ruas e às drogas. O que desenvolvemos aqui não existe em nível de Brasil,” diz. O projeto consiste em quatro fases, com períodos, antes, durante e depois do tratamento. Na primeira fase a pessoa passa por processos de acolhimento, e desintoxicação. “Essas pessoas não têm documentos, também providenciamos isso, além, é claro, de desenvolvermos o estado de conscientização,” explica.
Na segunda fase, o projeto visa traçar o perfil da pessoa, com seu estado de saúde e detectar o melhor tratamento. “Têm pessoas que deixaram de usar medicamentos e as drogas de certo modo suprem isso. Há muitos casos específicos, por exemplo, se a pessoa sofre de esquizofrenia, não tem o perfil para comunidade terapêutica, ela precisa de tratamento para doença mental e buscamos esse encaminhamento em um hospital psiquiatra. Infelizmente nesse caso o bicho pega pela falta de vaga e a gente fica com ela até arrumar a vaga”, explica.
Tostes afirma que a conscientização e um período longe das drogas podem ser suficientes. “Temos casos que oferecemos um convívio familiar e a pessoa põe na cabeça que não vai recair, que vai mudar. Essa força, às vezes, é muito grande e nem há a internação, já pulamos para o trabalho de reinserção,” diz. “Mas temos regras. Nessa fase a pessoa não pode ficar saindo e voltando. Não temos ninguém que a segura na Casa, fazemos um acordo verbal e flui muito bem,” explica.
Na terceira fase, após o período de internação em comunidade, hospital ou onde for o local detectado, a pessoa volta para a Casa Apoio. Nessa fase há o trabalho de reinserção.
“Na comunidade a pessoa fica longe das drogas e dos gatilhos que despertam o vício, quando volta, essa pessoa tem que colocar o que aprendeu em prática. Nós ajudamos na busca por emprego, tratamento médico, para evitar o gatilho. Na prática, a gente percebe que a pessoa fica focada buscando profissionalização e capacitação. Desenvolvemos também as habilidades sociais, pois muitos não sabem se vestir, se comportar, conversar,” ressalta.
A última fase é a do objetivo final. Nela, a pessoa precisa se cuidar sozinha e deixar de ser acolhida. Existe a busca por moradia assistida e emprego registrado. “Sem emprego como pagar contas? Mas a pessoa fica com dinheiro e tem que saber administrar e não gasta com drogas. Nós oferecemos o apoio e a pessoa muda de vida,” garante.
Tostes salienta que pelos resultados a procura pelo projeto vem crescendo nos últimos meses. “Há o interesse das famílias, da mídia, empresários e poder público. Se depender de mim vamos ajudar mais e mais pessoas,” finaliza. A Casa Apoio fica na Dra. Nadir Aguiar, 1115, no Jardim Paiva, Ribeirão Preto.