Sou do tempo em que se comprava frutas por dúzia e mamão por peça, não gosto deste negócio de quilo, como acontece nos supermercados, e só faço compras assim em casos de emergência. Toda terça-feira pico cartão na feira livre da rua Comandante Marcondes Salgado, onde negocio os preços das frutas que citei acima. O feirante sabe que sou fiel e sempre me faz um mimo – a dúzia dele, às vezes, tem mais de doze.
Na última terça, lá estava eu já com algumas compras quando ouvi alguém propagando suas verduras em alto e bom som: “Olha o almeirão direto do nosso sítio em Cajuru!”. E continuou: “A salada de almeirão temperada com limão cravo também do nosso sítio é outro sabor”. Não ia comprar almeirão, mas depois do que ouvi, minha boca ficou cheia d’água. Comprei almeirão e limão cravo e tive naquele instante duas lindas lembranças, viajei em pensamentos pra dois sítios dos quais agora vou contar as histórias.
A primeira me foi contada pelo Dr. Said Miguel, médico cardiologista em Batatais e que se formou com Sócrates. Dr. Said toca vários instrumentos como violão, cavaquinho, acordeon… O Magrão, que adorava música, logo se aproximou de Said. Eles não se desgrudavam, até residência médica faziam juntos e tudo acabava em muita música e belas histórias. Conta Said que quando fizeram residência na cidade de Cássia dos Coqueiros, de cara conheceram dois violeiros raiz de lá. Eram os irmãos Ferlin, a cantoria deles ficou famosa na cidade e as amizades aumentaram à beça.
A dupla tinha um sítio próximo e, certo dia após o plantão dos dois médicos, combinaram de jogar baralho e comer frango caipira acompanhado de salada de almeirão com limão cravo. Chegaram ao sítio ainda estava claro, cortaram uma baciada de almeirão, mataram um frangão e temperaram com limão. Enquanto o baralho comia solto, acenderam lampiões – não havia energia elétrica – e dá-lhe cerveja tirada do gelo. De repente caiu uma tremenda chuva e, quando o temporal passou, foram com o clarão da Lua buscar água na bica, que vinha de uma nascente ali do sítio.
Fizeram aquela panelada de arroz e frango cujo cheiro delicioso invadiu toda a casa. Cada um encheu seu “pratão”. Quem disse que alguém comeu?! O arroz e o frango estavam cheios de areia fininha que, com a forte chuva, desceu da nascente. Quem buscou a água não sacou. Resultado, foram embora mortos de fome.
Vamos pra outro sítio, este próximo à cidade de Casa Branca, onde moram meus primos. Eu, ainda menino, passava minhas férias escolares lá na cidade. Fomos passar o dia e a noite no sítio de um primo deles, estava na maior felicidade imaginando uma panelada de frango ou quem sabe uma leitoa assada. Qual o quê, entrei numa roubada! No almoço foi ovo frito com salada de almeirão que não comi, até porque criticava meus pais comendo saladas em nossa casa e me perguntava: “Pô, não sei como eles conseguem comer mato”. Era isso que eu pensava da salada. Depois passamos a tarde andando a cavalo, nadando no riacho de águas cristalinas, à tardinha banho gelado e eu não via a hora do jantar, achava que meu desejo da leitoa seria realizado.
Eu e a meninada já estávamos sentados quando a tia de meus primos colocou na mesa as panelas com arroz, feijão e uma baciada de salada de almeirão, temperada com limão cravo, cujo pé estava carregadinho bem na porta da cozinha. Era o que tinha para o jantar, a meninada atacou com vontade e eu ali meio que na defesa, até que decidi encarar a parada.
Pensei comigo: “Coma, menino, como se fosse sua sonhada leitoa.” Mandei ver, comi com gosto aquela salada, foi a primeira da minha vida, o sabor do limão cravo ficou gravado no meu subconsciente e sempre que tenho vontade levo pra casa essa especiaria. Hoje, quase 60 anos depois, ainda trago na boca o sabor daquela salada de almeirão com limão cravo.
Sexta conto mais.