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Oito anos

A dor estará sempre presente. Quem passa pela ruptura da morte de pessoas amadas mais velhas sabe que a tristeza fica com a saudade. Mas é o ciclo natural, é o comum da jornada que viemos traçar. Resta-nos sonhar com o pai e a mãe cari­nhosos, manter em nós as figuras marcantes e protetoras que nunca mais teremos igual e será a lembrança de momentos felizes, a nossa maior companheira para continuarmos cada qual o seu caminho.

Mas quando, por motivo tão misterioso, existe a inversão destes fatos, o céu fica grande demais para continuarmos a olhar. Passo pela dor diária pela separação de corpos do meu filho há oito anos. Foram dias após dias com o sentimento de pisar no ar, com a sensação de subir uma escada no meio do nada, sem corrimão, em que os degraus não acabam nunca, como se rolassem sem me deixar sair do lugar. São oito anos em que peço para ir encontrá-lo e ao mesmo tempo rogo aos anjos o ânimo da vida para continuar.

Assim como pelos nossos pais persistem as memórias, as gracinhas dele quando criança, a cara emburrada na pré-a­dolescência, a gentileza na mocidade, fazem-me companhia a todo instante como a intensa necessidade de respirar. Minha mente se abre e se fecha como os pulmões, me inspirando para a beleza de momentos tão nossos e expelindo o que não é aproveitado.

Das meninices encantadoras, a maneira de me receber de­pois do trabalho com teatrinhos ensaiados sozinho. Algumas vezes era a toalha aproveitada para ser a capa de um mágico, de outras, panelas serviam para ser montanhas numa história em que seus bichos de brinquedo mostravam ação quase que hollywoodiana. Sempre o sorriso doce na cara sardentinha, os cabelos enrolados de anjo, com pijaminhas dados pela avó que guardo até hoje.

Passou pelo medo de dormir sozinho também. Fase típica dos oito anos de idade da criança em que monstros vivem debaixo da cama e dentro do armário. Ia dormir comigo e, invariavelmente, me acordava com seu corpo estirado em cima de mim ou a mãozinha que batia no meu rosto durante o sono profundo.

Fomos conversar com o pediatra para entender o proble­ma e lá firmamos um contrato assinado por mim, por ele e pelo médico para que uma noite sim, noite não, ele dormisse no colchão que eu colocaria ao lado da minha cama. Ele cum­priu o combinado e já moço me contou como era apavorante dormir ali tão perto do que ele acreditava existir também de­baixo da minha cama. Por que não deixei ele dormir comigo todas as noites?

Tudo passa tão rápido… Dia desses vi uma mãe brigando com o filho de seus quatro ou cinco anos, assim como fiz várias vezes, ou por manha ou por alguma rebeldia. Não tive dúvida: me aproximei e lhe disse que ela ia sentir tanta sau­dade daquele choro manhoso e que logo ela teria os ombros do filho já adulto para também poder chorar. Pois foi isso que ele me provou em atitude. Já moço éramos o porto seguro de cada um. Nossas conversas eram francas, divertidas, com choro, com alegria, com respeito e delicadeza.

São oito anos e hoje já não choro mais a todo instante. Acostuma-se na marra com mecanismos descobertos para escapar do nocaute, mas a testa lá sangrando, os olhos quase fechados pelos golpes diretos e cruzados, o queixo quebra­do, o corpo moído de tanto apanhar, esperando que venha o toque do gongo. Enquanto isso, são as lembranças as minhas melhores defesas. Te amo, meu filho. Sempre!

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