“Carinhoso” é uma música de 1917, autoria de Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana Filho) e letra de 1937, autoria de João de Barro ou Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga).
“Carinhoso” tem uma história que se inicia de forma inusitada, com o autor da música, Pixinguinha, mantendo-a inédita por mais de dez anos. Sua justificativa, no depoimento que deu ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1968: “Eu fiz o ‘Carinhoso’ em 1917. Naquele tempo o pessoal nosso da música não admitia choro assim de duas partes, choro tinha que ter três partes. Então, eu fiz o ‘Carinhoso’ e encostei. Tocar o ‘Carinhoso’ naquele meio, eu não tocava… ninguém ia aceitar!”.
Portanto, o “Carinhoso” foi “encostado” porque só tinha (e tem) duas partes. O jovem Pixinguinha, então com 20 anos, não se atrevia a contrariar o esquema adotado nos choros da época, a forma rondó (A-B-A-C-A), herdada da polca. Ele mesmo esclarece, no depoimento, que “o ‘Carinhoso’ era uma polca, polca lenta. O andamento era o mesmo de hoje e eu classifiquei de polca lenta ou polca vagarosa. Mais tarde mudei para chorinho.”
Ainda sem letra, “Carinhoso” teria mais duas gravações, a primeira (em 1929) pela Orquestra Victor-Brasileira, dirigida por Pixinguinha, e a segunda (em 1934) pelo bandolinista Luperce Miranda, figurando em ambos os discos, por erro de grafia, com o título de “Carinhos”.
Apesar das três gravações e das execuções em programas de rádio e rodas de choro, “Carinhoso” continuava em meados dos anos 30 ignorado pelo grande público. Em outubro de 1936, porém, um acontecimento iria contribuir de forma acidental para uma completa mudança no curso de sua história.
Encenava-se naquele mês, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o espetáculo “Parada das Maravilhas”, promovido pela primeira dama, D. Darcy Vargas, em benefício da obra assistencial Pequena Cruzada. Convidada a participar do evento, a atriz e cantora Heloísa Helena pediu a Braguinha uma canção nova que marcasse sua presença no palco. Não possuindo nenhuma na ocasião, o compositor aceitou então a sugestão da amiga para que pusesse versos no choro “Carinhoso”. “Procurei imediatamente o Pixinguinha”, relembra Braguinha, “que me mostrou a melodia num dancing (o Eldorado) onde estava atuando: no dia seguinte entreguei a letra a Heloísa que, muito satisfeita, me presenteou com uma bela gravata italiana.”
Surgia assim, escrita às pressas e sem maiores pretensões, a letra de “Carinhoso”, uma letra simples (não chega a alcançar o melhor nível de João de Barro), mas que se constituiu em fator primordial para a popularização da composição. Pode-se mesmo dizer que o “Carinhoso” só se tornaria um dos maiores clássicos da MPB a partir do momento em que pôde ser cantado. É ainda Pixinguinha, em depoimento ao MIS, quem conta a história dessa gravação: “A maioria não estava interessada em gravar o ‘Carinhoso’. Todos queriam gravar a valsa ‘Rosa’. Primeiro foi chamado Francisco Alves, que não se interessou. O Galhardo também falhou (deixando de comparecer na data marcada). Então Mr. Evans (diretor da Victor) disse: ‘Ah, não! Não grava mais. Não veio no dia, não grava mais’. Aí chamou o Orlando, que gravou o ‘Carinhoso’ e a valsa ‘Rosa’.
Ostentando o mérito de ser uma das composições mais gravadas de nossa música popular, “Carinhoso” detém ainda o recorde de gravações nos repertórios de Pixinguinha e João de Barro.
Salve Carinhoso, Pixinguinha, Braguinha e Orlando Silva! Salve a música brasileira!