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A grande mágoa de Lobato

Por Pedro Venceslau

Desde que a obra de Monteiro Lobato caiu em domínio público, no dia 1° de janeiro, as editoras abriram uma corrida contra o tempo para colocar na praça novos livros e produtos sobre a obra do escritor, que morreu em 1948, aos 66 anos. 

Mas foi um pesquisador de Taubaté que conseguiu ter acesso ao maior conjunto inédito de textos lobatianos: 47 cartas escritas por Lobato ao poeta Cesídio Ambrogi entre 1918 e 1948, além de 15 cartas trocadas com outros destinatários e artigos de jornais locais da cidade que não constam das antologias.

Esse pequeno tesouro foi entregue ao pesquisador Pedro Rubim em 2001 pela viúva de Ambrogi, Lígia Fumagally Ambrogi, que morreu em 2012. Ele esperou 18 anos (até a obra deixar de ser patrimônio dos herdeiros) para organizar o material em plataforma multimídia chamada Almanaque Urupês, que será lançada na quinta, 18, também dia do nascimento de Monteiro Lobato, em 1882.

A troca de cartas revela a mágoa que o autor do Sítio do Picapau Amarelo sentia da elite de sua cidade natal, que passou a rejeitar as suas obras devido às críticas de Lobato ao comportamento dos barões do Vale do Paraíba.

O ápice da crise entre Taubaté e seu filho mais ilustre foi uma moção da Câmara dos Vereadores do dia 17 de agosto de 1922 que classificou a obra do escritor como derrotista, oportunista e recomendou que os livros de Lobato fossem “banidos” de circulação na cidade. 

A ira dos parlamentares taubateanos, que representavam a elite econômica local, foi despertada pelo livro Cidades Mortas, que retrata em linguagem ferina a decadência do Vale do Paraíba, em decorrência da abolição da escravatura. 

“Pelas longas linhas das Cidades Mortas, Monteiro Lobato, longe de fazer penetrar seiva nova, forte e revigorante, nas veias dos patrícios, que em vida latente apegam-se aos meios favoráveis, de ocasião, para levantar a glória, o progresso do seu torrão, procura vencê-los traçando painéis de inacreditável futuro de morte para suas esperanças, de desengano para seus esforços”, disse a ata da sessão, que foi obtida por Pedro Rubim. 

“Lobato foi a primeira celebridade de Taubaté. Depois de alcançar a glória literária após publicar um artigo no O Estado de S. Paulo ele passou a criticar a elite vale-paraibana pelos problemas na roça e pelo fato de o caipira, segundo ele, ser um indolente”, disse o pesquisador. 

Selo

A troca de correspondências entre Lobato e Ambrogi começou em 1918, quando o poeta de Taubaté se tornou um ferrenho “lobatista”. 

As primeiras cartas foram enviadas após Ambrogi ser convidado pelo escritor a publicar seu primeiro livro pela editora que Lobato comprou, dando início a uma longa amizade. 

O escritor conseguiu o dinheiro após vender a fazenda herdada por seu avô, José Francisco Monteiro, mais conhecido como Visconde de Tremembé, um dos homens mais ricos da região. Em uma das cartas recebidas por Cesídio, Lobato fala sobre sua maior criação, o Sítio do Picapau Amarelo.

“Duma coisa eu tenho certeza: a originalidade da ideia do Sítio. Creio mesmo que é a primeira vez na vida do Taubaté que apareceu uma ideia própria, não copiada de ninguém. E se soubermos fazer propaganda da coisa depois de construída, de modo que os sítios se espalhem, Taubaté torna-se-á muito mais sonoramente conhecido do que o é efeito daquela ‘piadinha’: Cavalo pangaré, Mulher que mija em pé, Gente de Taubaté. Domine libera-me.”

Em outra correspondência, Monteiro Lobato apresenta uma opinião polêmica, que certamente causaria reações nos dias atuais.

“Eu se fosse estado novo, fazia uma lei acabando com a liberdade de procriar. Para ter filho era necessário um atestado de habilitação e uma permissão especial. A gente feia ficava proibida de reproduzir-se. Outros teriam licença para um filho só. Outros, dois e três. E alguns teriam licença sem limites. Você, meu caro, entrava para este grupo. E não precisava produzir filhos só em casa – teria licença de fazer roças grandes, por montes e vales”, escreveu Lobato ao amigo em 1943.

Café

Formado em direito no Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo, o escritor deixou sua cidade natal em 1907, após ser nomeado promotor no município de Areias. 

Segundo Pedro Rubim, foi nessa época que ele enviou ao O Estado de S. Paulo uma carta ao leitor que agradou tanto que virou artigo assinado.

“O pai e a mãe de Lobato haviam morrido e ele foi treinado para ser herdeiro do avô, que morreu em 1911. Ele se tornou fazendeiro por um tempo, mas não se adaptou à ideia. Com a publicação no jornal O Estado de S. Paulo, Lobato ganhou projeção nacional”, relatou o pesquisador taubateano. 

Monteiro Lobato, lembra Rubim, foi o autor do primeiro best-seller brasileiro, Urupês. 

A obra nasceu da ira do autor contra os caipiras que seriam responsáveis, segundo ele, pelo constante incêndio nos campos, através dos quais limpam os terrenos, as famosas queimadas, cometidas em demasia e, portanto, prejudiciais para um proprietário de terras. 

Vermelho

Já consagrado, ele lançou o livro de Ambrogi e sugeriu o nome da obra: As Moreninhas. 

“Cesídio queria dar o nome de Castalidas Sertanejas, mas o Lobato vetou. Disse que esse nome não venderia nada e optou por As Moreninhas afirmando que as pessoas comprariam o livro para saber das tais moreninhas. A viúva dele contava essa história”, afirmou Pedro Rubim. O livro reuniu 32 poesias roceiras. Depois disso, Ambrogi, que pregava o comunismo cristão, escreveu seu segundo livro, chamado Poemas Atômicos. 

Tratava-se de uma reflexão sobre justiça social. A obra, porém, não foi acolhida inicialmente por Lobato, que sugeriu que ao amigo que procurasse Luiz Carlos Prestes, grande líder do PCdoB. A resposta veio em uma carta com um timbre do partido. 

“Seus poemas bem mostram a preocupação em estar ao lado do povo, embora não concorde com a ideia final de encontrar a solução para os problemas da miséria no ‘retorno ao cristianismo’.” Lobato então decidiu publicar o livro, mas o rebatizou como Poemas Vermelhos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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