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Um gol de placa

FOTOS: JF PIMENTA

Aos 59 anos de idade, o engenheiro de Produ­ção de Materiais for­mado pela a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), em 1983, Gerson En­grácia Garcia, dá sinais de de­ver cumprido, isso às vésperas de encerrar seu segundo man­dato de presidente do Botafogo de Ribeirão Preto, no próximo dia 17. Ele ainda poderia, de acordo com o estatuto do clu­be, permanecer até novembro, mas abriu mão do prazo extra. “Chegou a hora de passar o bastão,” resume.

Responsável pela transfor­mação do clube em uma Socie­dade Anônima, com dois aces­sos no Campeonato Brasileiro – da D (2015) para a C e para a B (2018) – e detentor do úni­co título nacional da história centenária do clube, em 2015, quando levantou o caneco da Série D, em um jogo épico, em Teresina-PI, contra o River, o dirigente acumula conquistas.

Estrategista e carismático, soube se cercar de uma legião de botafoguenses de quatro costados, delegou funções e atacou antigos problemas que minavam as estruturas do clu­be. Negociou dívidas tributá­rias e fiscais junto ao governo federal, aderiu ao Refis, fez do Pantera o primeiro clube a aderir ao Ato Trabalhista para renegociar dívidas com funcionários e ex-jogadores e zerou uma dívida até então impagável com o Banco Axial, contraída em 1999, em outra administração.

Assim, ao lado de seu grupo de colaboradores, criou as con­dições ideais para se chegar à Sociedade Anônima, uma nova maneira de gestão do futebol e que já recebeu aporte de R$ 8 milhões, está na fase final da construção da primeira parte da arena multiuso e o melhor: equilibra cada vez as finanças do clube e já vive sem o sobres­salto de receber a visita de inde­sejáveis credores no portão do estádio. Há turbulências? Sim, muitas, mas quem as explica é o próprio Gersinho, nesta entrevista em sua sala, no Santa Cruz:

Tribuna – Essa decisão de antecipar o encerramento do mandato não deixa de ser uma surpresa. O que o levou a isso?
Engrácia –
O cargo exige muito. Ao longo de quatro anos enfrentamos situações difíceis, eu e meu vice, o Oc­távio Valini, porém enten­do que estamos deixando o clube infinitamente melhor. Tenho certeza que o próxi­mo presidente irá melhorar ainda mais. A vida é feita de ciclos e o nosso se encerrou, inclusive do ponto de vida pessoal, familiar. Queremos seguir a vida. Já demos a nossa contribuição.

Tribuna – Existem espe­culações de que essa decisão teria sido determinada por supostos conflitos entre a o Botafogo FC e a Botafo­go SA, na pessoa do senhor Adalberto Baptista?
Engrácia –
Não. Isso nun­ca ocorreu. O Adalberto Bap­tista é um dos maiores em­presários do País, um grande empreendedor, um visionário. E o trabalho dele vai dar resul­tados no Botafogo, então não há nada que levasse a esse su­posto conflito.

Tribuna – E como é a re­lação com a AS?
Engrácia –
Todo mundo precisa entender o mecanis­mo que foi realizado na SA. Não existe Botafogo SA e Bo­tafogo FC. O Botafogo FC é o controlador da Botafogo SA. O Botafogo tem a sua direto­ria, o seu conselho deliberati­vo, as suas funções do ponto de vista organizacional.

Tribuna – Mas não pode existir conflito de interesses?
Engrácia –
Não. O Botafo­go existe e eu sou o presidente. Fui eleito para isso e depois reeleito. Com a criação da SA, o clube Botafogo passou a ter quatro votos (Luiz Antônio Pe­reira, Rogério Barizza, Miguel Maud Neto e Armando Calde­raro) dos sete no Conselho de Administração da sociedade anônima, por ser majoritário, na proporção de 60% a 40%. O Conselho elege a diretoria que administra a SA. Então, o poder está concentrado lá e não no presidente da SA. O presidente da empresa estará sempre subordinado às ações definidas pelo conselho.

Tribuna – E como funcio­na essa dinâmica na prática?
Engrácia –
O Botafogo entrou com a marca, com as suas participações em campe­onatos, exceto o patrimônio. A Trexx, que é a empresa in­vestidora, tem um contrato de uso de superfície do estádio Santa Cruz, e fez um aporte financeiro de R$ 8 milhões. Então, não dependemos do dinheiro do Adalberto Baptis­ta ou da Trexx. Essa capitali­zação já foi feita. O Botafogo hoje já dispõe de receitas su­ficientes. Além disso, a Trexx investiu em outros projetos, como, por exemplo, na Arena Eurobike, que vai gerar recei­tas para aplicação no futebol. A Trexx é parceira, é sócia do Botafogo. O Adalberto Baptis­ta é o presidente do Conselho de Administração.

Tribuna – E qual tem sido a participação dele?
Engrácia –
Ele tocou todo o projeto. Tem os contatos, pi­lotou tudo isso e com muita maestria. E ainda ficou respon­sável pelo marketing, enquanto nós trabalhamos pelas ques­tões do Botafogo, do futebol. Tivemos que aprender a dividir tudo com os nossos parceiros durante esse processo, pois an­tes, a última palavra sempre era a nossa. Precisamos aprender a viver esse momento. A gente tem que dividir o poder.

Tribuna – Mas lá na arqui­bancada, a exigência é outra…
Engrácia –
O torcedor fica preocupado com o desempe­nho dentro do campo, o que é justo, correto. Nós precisa­mos ficar preocupados com o futebol e também institucio­nalmente. E foi isso que con­seguimos fazer nesses últimos quatro anos.

Tribuna – Mas há descon­tentamentos no tocante às contratações de atletas e a SA tem um executivo de futebol, Léo Franco… que tem sido muito criticado
Engrácia –
Sim. Foi feita uma reunião no Conselho de Administração e ficou defi­nido que quem cuidaria do futebol seria o Gustavo Vieira juntamente com o Léo Fran­co. Qualquer alteração nisso, inclusive eventuais demissões, só pode ocorrer com a anuên­cia do Conselho de Adminis­tração da sociedade anônima. Todo mundo quer que o time tenha desempenho dentro de campo, mas não dá para dizer que está tudo horroroso ou centralizar em uma única fra­se: Fora fulano, fora sicrano.

Tribuna – E o presidente do clube?
Engrácia –
No limite, como presidente do Botafo­go, poderia demitir, mas teria que submeter essa decisão ao Conselho de Administração. Tivemos que intervir no de­partamento de futebol, du­rante o meio do campeonato Paulista, e o reforçamos com o Luiz Pereira, o Osvaldo Fes­tucci e o Fernando Gelfuso. Também estive mais presente lá.

Tribuna – No Paulista de 2019 o Botafogo, mesmo com a inovação da gestão e a transformação em sociedade anônima, no futebol, pro­priamente dito, flertou com o rebaixamento…
Engrácia –
No futebol, o time não deu liga, mas graças a Deus, não caiu, que era o nosso grande temor. Nos dois últimos anos, 2017 e 2018, es­tivemos nas quartas de final sendo que, em 2018, fomos eliminados nos pênaltis pelo Santos. O que vale é sempre isso: o futebol.

Tribuna – Quem errou?
Engrácia –
Nós erramos. Não foi só o Léo Franco, mas todos nós. Temos participa­ção no sucesso e no insucesso, como o Gustavo Vieira tem, o Luiz Pereira tem, enfim todos os envolvidos… o Valini.

Tribuna – Mas a torcida queria mais, já que as coisas estavam caminhando bem do ponto de vista institucio­nal e empresarial.
Engrácia –
Como eu dis­se: o time não deu liga. Con­tratamos jogadores que não corresponderam dentro de campo. Todos os times que estavam na B, no Paulista, não se classificaram. Um deles, o São Bento, foi rebaixado. Então, se você não acertar na montagem, vai sofrer.

Tribuna – Mas o clube já possuía uma boa estrutura com o time do acesso para a Série B do Brasileiro.
Engrácia
– Um dos mo­tivos para as coisas não da­rem certas foi a reformulação muito grande do elenco, da C para a B. Ficamos com apenas três atletas do time do acesso. Contratamos 23. Precisaria, refletindo melhor, ter dado continuidade, preservado e mantido um grupo maior de atletas da Série C. O elenco que subiu possuía jogadores melhores que muitos dos con­tratados para disputar a Pau­lista e a Série B. Poderiam ter ficado…

Tribuna – Hoje, o Bota­fogo atua em duas frentes, a empresa e o futebol…
Engrácia –
O Botafo­go tem um horizonte muito grande. É preciso primeiro: aprender a viver com isso e que a nossa coletividade não vincule tudo ao desempe­nho do clube. Nesse ínterim fizemos aqui um campo de treinamento que custou uma fábula, que o Botafogo nunca teria como fazer, pelo menos, no curto prazo. Os jogadores vão começar a treinar lá. Hoje, o Botafogo tem fisiologista, que antes não possuía, os im­postos estão todos em dia. A SA recolhe FGTS, coisa que o Botafogo FC não conseguia fazer ou quando conseguia era com muito sacrifício.

Tribuna – O senhor ava­lia que as coisas estão no ca­minho certo?
Engrácia –
O Botafogo hoje é um clube que tem saú­de financeira. Tem tudo para crescer. Possui uma torcida gi­gantesca, é um time de massa.

Tribuna – Que análise o senhor faz de sua participa­ção na presidência do clube?
Engrácia –
Fiz o que pode­ria ter feito, de acordo com a minha capacidade. Se não fiz mais, foi porque faltou capaci­dade. Dei o meu melhor. Fui de porteiro a presidente. Sou soldado e a missão que me de­rem será cumprida. A minha família toda é a botafoguense, minha filha foi no ônibus das mulheres para Mirassol, na grande caravana organizada pelos torcedores.
Valini e eu rodamos o Brasil com os nossos cartões de crédito. Fomos 75 vezes à Federação Paulista de Futebol com os nossos carros. Mesmo porque não tinha como pedir ao clube (risos). Conseguimos respeito, fomos campões da Série D, o único título nacio­nal conquistado até aqui pelo clube. A cada ano ficava mais difícil administrar o Botafogo, tratar o fluxo de caixa, ante­cipar receitas, depender dos jogos contra os grandes, era um coberto muito curto. No final de cada temporada ficava devendo, fazia acordos. Mas conseguimos desenhar um projeto de SA que tem tudo para dar certo: o Botafogo vai poder investir na base, segurar aqui os jogadores revelados, coisa que não estávamos con­seguindo fazer. Disputamos em quatro anos 133 partidas, vencemos 47, empatamos 51 e perdemos 35. Temos saldo positivo.

Tribuna – Aonde o Bota­fogo deverá chegar na próxi­ma década?
Engrácia –
O Botafogo irá se consolidar na Série A do Brasileiro e se transfor­mará em um clube revelador de atletas e estará entre os 20 maiores do Brasil. Basta olhar uma década para trás para perceber a evolução. Agora é só colocar esses tijolinhos.

Tribuna – Quem o senhor apoiaria, dentro de seu gru­po, para sucedê-lo?
Engrácia –
Todos têm condições. O Luiz Pereira, se aceitar, tem experiência, pois administrou em 2005, na re­construção do clube.

Tribuna – O senhor pen­sa em voltar no futuro?
Engrácia –
Não vou dizer que não, pois senão irão usar essa entrevista para contestar um eventual retorno (risos).

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