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Que ser humano é esse que comemora a tortura e a morte?

A letra da música “Como dizia o poeta”, de Vinicius de Morais, diz assim: “Quem já passou por esta vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu…”. Retrata o comportamento de uma parcela da população que ficou deitada em berço esplêndido, en­quanto a ditadura militar cometia as maiores atrocidades em nome da segurança nacional – foram os chamados anos de chumbo.

Uma propaganda maciça, que exalte o tempo todo as ma­ravilhas dos regimes autoritários, é uma das ferramentas mais eficazes para manter a população alienada, e aquele trabalhador (chamado de operário padrão) que chega a sua casa e vai direto para a televisão, e recebe uma carga de noticias auspiciosas sobre as maravilhas que estão ocorrendo em seu País, não imagina as agruras que muitos compatriotas passavam nos porões obscuros da ditadura, simplesmente porque ousaram defender a liberdade de pensamento e os direitos humanos.

No auge da Guerra Fria, os países satélites tomavam posições de acordo com as orientações do grande império do norte, que combatia com fervor o perigo vermelho. Os militares brasileiros, seguindo as ordens do “mestre”, deflagraram em 1964 o golpe militar no Brasil, que depois se proliferou por toda a América La­tina. Até 1967 o regime foi mais brando – fecharam o Congresso, cassaram todos os governadores eleitos e uma parte dos parla­mentares, mas ainda era permitido que a imprensa divulgasse, mesmo com restrições, suas notícias.

Mas, a partir de 1967, os festivais da música popular brasileira e as manifestações de rua feitas por estudantes e operários contra o governo não agradaram os militares, que reagiram lançando o Ato Institucional nº 5, que fechou de vez o regime.

A censura prévia foi implantada em todos os meios de comu­nicação, no meio artístico e musical. Qualquer notícia tinha que passar pala censura antes de ser publicada, assim como as peças teatrais e as letras das músicas – foi um período de caça às bruxas. O Tio Sam enviou para o Brasil especialistas em métodos de tor­tura que faziam a capacitação dos brasileiros, mostrando em um preso, ao vivo, como se conseguia o máximo de dor no mínimo de tempo, e os brasileiros se tornaram especialistas nesses méto­dos. E exportaram para os outros países.

Eram tempos sombrios. Às vezes, no meio de uma peça tea­tral, ou de um show musical, a polícia invadia o recinto armada até os dentes e encerrava o espetáculo, levando alguns artistas presos para prestar depoimento nos órgãos da repressão. Muitos tiveram que deixar o País, pois eram “má influencia” para a juven­tude. A repressão torturou e matou milhares de pessoas, e muitos ficaram com sequelas permanentes. Além da repressão oficial, havia também os grupos de extermínio formados por policiais que faziam o serviço sujo nas periferias pobres.

Livros e filmes foram queimados e colocados na clandestini­dade, as letras das músicas sofreram horrores nas mãos da dita­dura, até samba-enredo teve a letra censurada. Torturar e matar eram coisas corriqueiras para essa gente, tanto que, em 1975, assassinaram, nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, o jornalista e apresentador da TV Cultura Vladimir Herzog, e na maior desfaçatez simularam um suicídio, que foi contestado pela Igreja Católica e a OAB.

Este período de sombras foi o de maior corrupção do País: o escândalo da mandioca, o caso Capemi, o Projeto Jari, o caso da Delfin foram apenas alguns que sangraram o erário público. Mas, ao que parece, os fatos históricos deste período de terror não chegaram às novas gerações, que falam do regime sem ter conhecimento, ou por mau-caratismo mesmo. Já os mais velhos, além do mau-caratismo, dormiram em berço esplêndido e não viram a vida passar.

Como qualificar o ser humano que comemora a tortura e a morte?

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