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“A polícia hoje enxuga gelo”, diz presidente de Associação de Delegados

O delegado Gustavo Mesquita Galvão Bueno - Foto JF Pimenta

O delegado Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, analisa a segurança pública no Estado e diz que São Paulo está atrasado no combate à corrupção policial em relação a outros estados

FRASES:

“O governador João Doria assumiu, na sede da Associação dos Delegados, o compromisso de recompor o efetivo da Polícia Civil e de valorizar os salários dos policiais. Esperamos que ele cumpra a promessa”

“O jovem de 16 anos, que pode votar, tem capacidade de discernir sobre seus atos e se comportar de acordo com os padrões sociais e a lei”

“Sem medidas eficientes e fundamentais, continuaremos a enxugar gelo”

“Não adianta ter leis mais duras, se os criminosos não são identificados, julgados e punidos, conforme a lei. Quando isso acontecer, a criminalidade cairá sensivelmente”

Gustavo Mesquita Galvão Bueno, 38 anos, é o mais jovem presidente da história da Associação dos Delegados de Polícia do estado de São Paulo. Formado em Direito e pós-graduando em Segurança Pública, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ele preside a maior entidade representativa de delegados do Brasil e da América Latina. O seu mandato é de três anos, de 2018 a 2020.

Em entrevista ao Tribuna ele, que recentemente esteve em Ribeirão Preto, afirma que a visão equivocada dos governantes paulistas em relação ao combate à criminalidade levou ao fortalecimento da facção criminosa que usava os presídios para a formação de novos marginais. Em relação aos policiais garantiu: “São Paulo está atrasado no combate à corrupção, em relação a outros estados”.

Tribuna Ribeirão – Uma das constantes queixas da Polícia, seja a Civil ou a Militar, é a falta de policiais no Estado, em relação ao número de cargos criados. A que se deve este déficit?

Gustavo Mesquita Galvão Bueno – Ao descompromisso do Governo do Estado, principalmente nas últimas gestões. Há uma visão equivocada, que privilegia investimentos na quantidade de prisões, em detrimento da investigação dos chefes – cabeças – do crime, chefes de quadrilhas, receptadores. Uma visão que levou ao fortalecimento da facção criminosa que usava os presídios como centrais de formação de bandidos, com o beneplácito do estado.

Tribuna Ribeirão – Em sua avaliação como resolver este problema?

Gustavo Mesquita – O déficit de policiais civis é de 32,33% do efetivo previsto em lei. Para reverter este quadro, o governo precisa acelerar concursos públicos e cursos de formação de policiais. E melhorar os salários para conter a evasão de policiais. Sem essas medidas, fundamentais, continuaremos a enxugar gelo. Com a valorização dos policiais e novas contratações, vamos melhorar o atendimento à população nas delegacias e a investigação criminal, principal atribuição da Polícia Civil. Não adianta ter leis mais duras, se os criminosos não são identificados, julgados e punidos, conforme a lei. Quando isso acontecer, a criminalidade cairá sensivelmente.

Tribuna Ribeirão – Falta vontade política do governo estadual para mudar esta realidade?

Gustavo Mesquita Faltou vontade política nas gestões anteriores para investir na polícia judiciária, porque isso não traz capital político imediato e uma polícia judiciária fortalecida pode investigar os maus políticos. O governador João Doria assumiu, na sede da ADPESP, o compromisso de recompor o efetivo da Polícia Civil e de valorizar os salários dos policiais. Esperamos que cumpra a promessa.

Tribuna Ribeirão – Outro tema comum na mídia diz respeito aos salários da categoria. Como a Associação dos Delegados analisa este assunto?

Gustavo Mesquita – Valorizar o policial que arrisca sua vida para trazer paz, segurança e respeito aos direitos de todos é também um ato de inteligência. Afinal, pagando mal, São Paulo tem jogado fora o dinheiro gasto com concursos e cursos de formação de inúmeros policiais que desistem da carreira. É vergonhoso que o estado mais rico pague a seus delegados o pior salário da federação.

Tribuna Ribeirão – Na Polícia Civil existem muitos policiais deixando a carreira. Qual é este número atualizado e por que isto tem acontecido?

Gustavo Mesquita A Polícia Civil perdeu 2.380 policiais no ano passado. A grande maioria, 1928, antecipou a aposentadoria. Depois, vieram as exonerações a pedido (383) e as mortes (69). Este ano, se nada for feito, com o anúncio da Reforma da Previdência, esses números devem explodir.

Tribuna Ribeirão – De um modo geral a população cobra policiamento nas ruas e a resolução dos crimes. Como aumentar a sensação da população que a polícia está trabalhando?

Gustavo Mesquita –  A Polícia Civil de São Paulo faz mais que o possível com parcos recursos. Foi pela identificação dos matadores em série, nos anos 2000, que se conseguiu reduzir os homicídios no estado em mais de 70%. Uma boa iniciativa da atual gestão foi a transferência e isolamento dos líderes da facção criminosa. É preciso, agora, desarticular a estrutura econômica do crime, usada para lavagem de dinheiro. Este modelo deve ser replicado com mais investimentos em inteligência e investigação para efetiva punição dos criminosos. O foco devem ser os líderes das organizações, os receptadores e a lavagem de dinheiro.

Tribuna Ribeirão – É sabido que os criminosos têm armamento pesado superior ao da polícia. Existe uma forma de reverter essa situação?

Gustavo Mesquita – Com investimentos em armas mais modernas e treinamento constante. As licitações devem contemplar não só o menor preço, mas a qualidade dos armamentos.

Tribuna Ribeirão – Qual sua avaliação do decreto sobre posse de armas do Governo Federal?

Gustavo Mesquita – Sou a favor da flexibilização, sobretudo no que tange à autorização para o indivíduo possuir uma arma dentro de sua residência, exercendo assim o direito sagrado de proteger o seu lar. Qualquer pessoa que adentre a residência de outra corre o risco de ser morta. Em relação ao porte, entendo que uma maior flexibilização é bem-vinda, pois vai ao encontro do direito do cidadão de exercer sua legítima defesa. Todavia tem que ser feito de maneira gradual, de modo a se respeitar as particularidades e a cultura do povo brasileiro, que não está acostumado a portar armas.

Tribuna Ribeirão – Facilitar que a população tenha armas ajuda a dar sensação de segurança?

Gustavo Mesquita – O próprio ministro da Justiça, Sergio Moro não deu a essa medida a dimensão de política de segurança.

Tribuna Ribeirão – O senhor é favorável à redução da maioria penal?

Gustavo Mesquita – Pessoalmente sou a favor. Acho que o jovem de 16 anos, que pode votar, tem capacidade de discernir sobre seus atos e se comportar de acordo com os padrões sociais e a lei.

Tribuna Ribeirão – Em sua avaliação qual é o principal problema hoje da segurança pública?

Gustavo Mesquita – A falta de investimento em inteligência, investigação, e a falta de articulação das forças de segurança. Por incrível que pareça, ainda não temos um banco nacional de dados criminais. Um criminoso procurado pela polícia de um estado pode tirar um RG em outro sem o risco de ser preso.

Tribuna Ribeirão – Fala-se muito que houve aumento da corrupção entre os policiais. Como o senhor analisa estas afirmações?

Gustavo Mesquita – Repudiamos fortemente policiais que se desviam da ética, da lei e dos valores aprendidos na Academia de Polícia. Apoiamos iniciativas como a criação de setores especializados no combate à corrupção e ao crime de colarinho branco, implantados nas seccionais de Guaratinguetá e Jaú. E sugerimos ao estado medidas para fortalecer a Corregedoria da Polícia Civil, como a implantação naquele departamento de um laboratório de lavagem de dinheiro. São Paulo está atrasado no combate à corrupção, em relação a outros estados.

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