Impecável o voto do ministro do STF Celso de Mello na criminalização da homofobia como racismo. Segundo ele, o conceito de racismo, previsto na Constituição e que abrange a discriminação a outros grupos sociais minoritários, não se aplica apenas ao preconceito e à discriminação contra a população negra. O racismo é tratado como crime inafiançável e imprescritível pela Constituição Federal. Enquanto uma lei específica não for aprovada pelo Legislativo, o ministro defende que seja aplicada a Lei de Racismo aos crimes de homofobia e transfobia. Ele defendeu que o Estado deve proteger minorias sociais de todos os tipos de perseguição e preconceito, de modo a assegurar o exercício de seus direitos.
Afirmou em seu voto: “Sempre que um modelo de pensamento fundado na exploração da ignorância e do preconceito põe em risco a preservação dos valores da dignidade humana, da igualdade e do respeito mútuo entre pessoas, incitando a prática da discriminação dirigida a comunidades exposta ao risco da perseguição e intolerância, mostra-se indispensável que o Estado ofereça a proteção adequada aos grupos hostilizados”. Celso de Mello concluiu o seu voto na última quarta-feira. O STF está julgando duas ações que têm o objetivo de reconhecer a homofobia e a transfobia como crimes e a obrigação do Congresso Nacional de criar uma lei que reconheça os direitos dos LGBTs.
Na primeira parte do seu voto, semana passada, Celso de Mello chegou a afirmar que aquela visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papeis sociais, meninos vestem azul e meninas vestem rosa, impõe notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo. Foi uma explícita referência à ministra Damares Alves em mais uma de suas sandices que provocou grande polêmica.
Para Celso de Mello, versões tóxicas da masculinidade e da feminilidade acabam gerando agressões a quem ousa delas se distanciar no seu exercício de direito fundamental e humano ao livre desenvolvimento da personalidade, sob o espantalho moral criado por fundamentalistas religiosos e reacionários morais com referência à chamada ideologia de gênero. Se o voto do Ministro for seguido pela maioria da Corte, campanhas explícitas contra gays como aquela em 2011, através de um outdoor colocado pela Igreja Casa de Oração em frente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, com certeza, serão criminalizadas.
Naquele ano, frases bíblicas de repúdio aos homossexuais chegaram a ser utilizadas por aquela igreja e causaram revolta entre grupos gays da cidade. No mesmo ano, após uma liminar da Justiça, a mensagem foi apagada. Posteriormente, com recurso da Igreja ao Tribunal de Justiça, a proibição foi reforçada por um acórdão no qual o desembargador Natan Zelinschi de Arruda colocou a dignidade humana acima da liberdade de crença.
A decisão veio em resposta a uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública de Ribeirão. “No Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana deve prevalecer, por conseguinte, comportamento inadequado como o perpetrado pela recorrente deve ser abolido, pois não se admite incentivo ao preconceito, mesmo porque, sob os auspícios da religião vem atingir quem não se coaduna com os dogmas correspondentes”, relatou Arruda. Parece até que o TJ-SP já adiantava, em oito anos, o voto do ministro Celso de Mello e uma possível decisão normativa de toda a Corte.