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Coisas de mãe

A atual violência no Ceará me fez lembrar o medo que passamos, em 2006, com o PCC aterrorizando todo o Estado de São Paulo. Um ano antes, já existia uma onda assustadora na capital, época em que meu filho combinou com o pai de ir a São Paulo sozinho de ônibus pela primeira vez. Fui contra, usei vários argumentos, tentei mostrar que era muito novo para tal aventura, mas ele estava decidido a cumprir a propos­ta paterna e aguardá-lo na ponte do Piqueri.

Enquanto o levava para pegar o ônibus, minha cabeça parecia o metro da Sé às seis horas da tarde, entravam e saíam caraminholas que se trombavam em aflição. Como parar na ponte do Piqueri? E se ele dormisse, com aquele sossego que lhe era próprio, indo parar na rodoviária? Estaria perdido naquela multidão que empurra malas e sacolas, certamente algum bandido iria abordá-lo e, quando visse, estaria sem mochila, sem dinheiro, sem tênis.

Já com as visões ameaçadoras me importunando o espí­rito, entrego o bilhete de viagem ao motorista e peço para que avise o meu filhinho a hora certa de desembarcar. Com cara de poucos amigos, ele responde que é o passageiro quem deve comunicar a descida. Apelo então aos sentimentos mais nobres dele, rogo que cuide do meu garoto inclusive na para­da na estrada, que não continue a viagem caso ele ainda não tenha voltado à sua poltrona, que dê uma olhadinha para que nada de mal lhe aconteça durante o percurso.

A cada súplica, o rosto do motorista ficava mais tenso. Rugas começavam a despontar de todos os locais, as narinas abertas como ventas de dragão, o maxilar inchado de tão enrijecido. Com os olhos fixos nas passagens e visivelmente irritado comigo, passa a me ignorar e a lamúria acaba nos ou­vidos de uma mocinha simpática que me garante que olharia o meu pequeno.

O ônibus parte e outra preocupação me vem à cabeça. E se o pai atrasasse e ele ficasse debaixo daquela ponte sem saber o que fazer? O pai, ah o pai, eu conhecia bem, sabia que pode­ria não achar significante manter a pontualidade. E se os mar­ginais do PCC parassem o ônibus e fizessem todos, inclusive ele, de reféns? Intuição de mãe não falha e todo pensamento virou fato na minha mente.

Meu peito apertou, a respiração ficou descompassada, o choro ainda contido alargou minha garganta. Não aguen­tei! Liguei para o responsável da viação e expliquei, já em lágrimas, o quanto o motorista havia sido ríspido, que minha criança poderia sumir na grande cidade. Do outro lado da linha, uma voz gentil e cheia de compaixão pelo desespero de uma mãe, garantiu que mandaria alguém para esperá-lo no Piqueri.

Quatro horas de viagem e chega o telefonema reconfor­tante. Ele já estava com o pai, tudo correra bem. Ele só não tinha entendido a presença de um senhor à porta do ônibus na chegada à ponte, indagando por uma criança pequena. Ao falar o nome, ele se apresentou como sendo o passageiro procurado. O homem olhou com espanto para aquele jovem de 14 anos e já com mais de um metro e setenta.

Ué, coisas de mãe, para nós sempre serão bebês.

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