A estudante Khadija Aziani das Dores, de 15 anos, foi morta pelo namorado com um tiro na cabeça porque ele não aceitou o fim do relacionamento. A empresária Fernanda Delarice, de 36 anos, foi morta, a facadas, dentro de casa pelo próprio marido. Adriele Sena, de 22 anos também foi esfaqueada e morta pelo namorado, em sua casa. Esses são apenas alguns casos policiais recentes em Ribeirão Preto e região que ganharam destaques nos noticiários. Eles são somados a muitos outros que culminaram em mortes ou agressões. O detalhe é que eles têm algo em comum: o agressor era próximo, um marido, namorado ou companheiro. Cerca de 40 boletins de ocorrências, como casos de agressões e outros parecidos, são registrados diariamente na Delegacia da Defesa da Mulher de Ribeirão Preto. A mesma delegacia emite entre 150 e 200 medidas protetivas por mês, para evitar que o agressor se aproxime da vítima.
A delegada Luciana Renesto Ruivo, há seis anos comanda a Delegacia da Defesa da Mulher (DDM) em Ribeirão Preto confirma que o Brasil é um dos campeões em mortes de mulheres (veja box nessa página) e acredita que essa violência vem aumentando. “Por uma série de fatores, não é só o aumento da violência em si. Hoje é mais notificado e temos mais notícia de violências. No passado, muitos casos não eram denunciados”, explica a delegada.
O que muitos casos que ganham grande repercussão mostram, é que o agressor é quem deveria dar carinho. Vive próximo ou divide a casa com a vítima. Luciana Renesto alerta que uma agressão física, que muitas mulheres deixam de registrar, pode virar um fato mais grave no futuro. “Todo agressor é um homicida em potencial. O que eles fazem com as mulheres, o que eu vejo aqui, é assustador. É uma questão de oportunidade e provocação. Difícil quando houve o resultado morte e não ter ocorrido antes várias agressões”, diz.
“A violência acontece de onde não se espera. No ambiente doméstico. Num ambiente de afeto. Tem a vulnerabilidade, o fator inesperado. A mulher tá dormindo. Tomando banho e é atacada. Tem mulheres que dormem com a porta do quarto trancada”, ressalta.
A delegada da DDM diz que não há um perfil definido do agressor. “Há diversos casos, como quem está casado há 38 anos e quem se casou recentemente. A única coisa em comum é uma dor imensa”.
Outro detalhe é que pelo aumento na procura por ajuda, o nível de reincidência registrado é pequeno, cerca de 20 %. “A mulher não fica esperando. Ela tem mais condições inclusive emocionais”.
Sobre o agressor o perfil é de ser 100% machista. “Acha que a mulher é propriedade dele. Um dia aqui, só para exemplificar, um rapaz disse que não estava entendendo ele ter que vir à delegacia. Eu falei que era crime, e ele me respondeu: nem bater na minha mulher eu não posso mais? Ele e muitos pensam que a mulher é propriedade deles”.
O cenário de denúncias vem modificando. A delegada aponta pelo fato de empoderamento das mulheres. “A mulher se questiona, confronta e não concorda com a agressão. Um detalhe interessante é que se você pesquisar, aconteceram muitos feminicídios no final do ano. Eu questionei isso com uma psicóloga. No final de ano as pessoas ficam mais ansiosas e bebem mais e nesse momento elas questionam. Pensam: o que fiz esse ano? Como foi? Só apanhei esse ano e vou apanhar mais um ano? Aí acontece o enfrentamento e os casos de violência. O homem bebe, é violento. Acontecem os crimes”, ressalta Luciana Renesto.
Mulher tem que se planejar
A delegada orienta que quando a decisão for tomada, ela tem que ser planejada. “O enfrentamento tem que ser planejado e não inesperado. A mulher tem que se preparar, conseguir uma medida protetiva. Não é assim: acordou pela manhã e vai tomar essas atitudes”.
Em Ribeirão Preto a DDM consegue, em média, 200 medidas protetivas por mês e cerca de 40 ocorrências são registradas por dia. Com essas medidas, o agressor, seja namorado, companheiro, marido ou filho, por exemplos, não podem se aproximar das mulheres. Sobre o número de medidas expedidas, Luciana Renesto afirma que é alto. “Ribeirão tem uma demanda grande e já comporta outra Delegacia da Mulher ou mais policiais aqui”.
Patrulhamento
Em casos mais graves as autoridades policiais realizam um patrulhamento, denominado ‘Patrulha Lei Maria da Penha’. “Fazemos regularmente essa patrulha. Quando detectamos que a medida protetiva tem que ser acompanhada. Mas é claro que não temos rondar todas as casas, por isso ocorrem as patrulhas inesperadas e o homem fica desconfiado, porque ele sabe que a qualquer momento a polícia passa pelo local onde a mulher está. Isso tem funcionado super bem. Temos que dizer que nem sempre o homem é violentíssimo e ele respeita a medida, pois se não respeitar, vai ser preso”, salienta a delegada.
O descumprimento da medida protetiva dá flagrante inafiançável. “Ele vai preso mesmo. Não tem fiança. Olha que curioso: se o cara bater numa mulher, ele tem fiança. Se desrespeitar a medida, ele vai preso. E se tem um flagrante que eu gosto de fazer é de descumprimento de medidas protetivas. O cara já foi advertido, já agrediu ou ameaçou e faz de novo. Ele não desrespeita não só a mulher, mas a instituição Polícia Civil e o Judiciário. E têm acontecido os dois, o respeito às medidas e as prisões por desrespeito”, observa Luciana Renesto.
A titular da DDM deixa um recado para as mulheres que são vítimas e ainda não tentaram mudar. “Nós temos condições de ajudar e estamos empenhadas em combater a violência contra a mulher. Meu sonho de consumo é não precisar de delegacia especializada para mulher, mas hoje é necessário”, finaliza.
O que é Feminicídio
O crime de feminicídio está previsto na legislação desde a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Assim, o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, isto é, quando o crime envolve: “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
Ou seja, feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino, como é o caso brasileiro.
“Alguns pensam que é só quando companheiro ou namorado mata uma mulher, não é. É quando ela, mulher, é vítima pela condição de ser mulher”, esclarece a delegada da Delegacia da Defesa da Mulher (DDM), Luciana Renesto Ruivo.
Brasil é um dos líderes em violência contra a mulher
O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH). O país só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia em número de casos de assassinato de mulheres. Em comparação com países desenvolvidos, os brasileiros matam 48 vezes mais mulheres que o Reino Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais que o Japão ou Escócia. O Mapa da Violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que o número de mulheres assassinadas aumentou no Brasil. Entre 2003 e 2013, passou de 3.937 casos para 4.762 mortes. Em 2016, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no país.