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Samba ‘Regra Três’ foi feito para Toquinho

Considero-me um cara privilegiado – e muito privilegiado – graças ao meio musical, onde transito desde meus 15 anos de idade, quando ganhei meu primeiro violão. O instrumen­to me levou a lugares que jamais imaginei e permitiu que conhecesse artistas que jamais pensei em conhecer – de quem sempre fui fã – e que chegaram a tocar com meu pinho. Tudo graças a Sócrates. Foi por causa de minha amizade com o Ma­grão que pude me aproximar e até conviver com gente boa de papo, de samba e de coração.

Este meu violão foi testemunha de momentos que nunca acontecerão novamente, e eu vivi tudo isso, por isso sou privile­giado. Com a compra de um pinho novo, pisei na bola com o pri­meiro e decidi aposentá-lo, deixando-o em um suporte num dos cantos de minha sala. Nessa época da aposentadoria do violão, em pleno verão 40 graus – embora tenhamos instalado cortinas e proteção na enorme janela –, o mormaço vazava atingindo uma temperatura que foi capaz de trincar seu bojo.

Ainda bem que temos na cidade um músico que virou um luthier de primeira, meu amigo Berto Silva. Encontrei com ele num show, contei o que havia acontecido e ele, poetica­mente, me disse: “Buenão, um violão abandonado perde sua alma…” Esta frase do Berto me tocou profundamente, um filme passou pela minha cabeça, imaginei as pessoas que nele tocaram, pessoas simples, artistas famosos.

Com ele nos braços cantei ao lado de meu saudoso amigo Jhonny Oliveira, do Grupo Nós, a música “Feche os olhos”, dos Beatles, uma versão de Renato Barros, do conjunto Renato & Seus Blue Caps, isso no Circo do Biriba, armado na Vila Tibério, lá nos idos de 1968. Berto Silva disse que ele voltará a ficar como era, não vejo a hora de abraçar meu velho pinho novamente.

Dentre os artistas que tocaram em meu velho parceiro está Toquinho, também eterno parceiro do poeta Vinícius de Morais. Toquinho foi um dos grandes amigos que Sócrates fez fora do futebol. Quando foi jogar no Corinthians, Magrão já o conhecia, pois ele estava no auge aqui no Botafogo de Ribeirão Preto quan­do, em uma noite, o saudoso Kiko Calil, então diretor do Pantera, levou Toquinho para assistir a um jogo no Estádio Santa Cruz.

Sócrates encantou o músico com suas jogadas geniais. De­pois, Kiko Calil desceu até o vestiário e fez o meio-de-cam­po, e eles foram apresentados, “Você tem que jogar no meu Corinthians”, disse o cantor, e seu desejo aconteceu. Quando Sócrates desembarcou na Fazendinha pra vestir a camisa do Timão a amizade entre eles se consolidou.

Quando fomos gravar nosso CD em Sampa, Sócrates convi­dou Toquinho pra gravar um samba nosso. Ele foi. Foi ali que co­nheci Toquinho, gravando um samba que compus com o Doutor. Eu nem acreditava, mas estava ali cantando com meu ídolo.

Ouvi ele contar muitas histórias, mas, na semana passada, meu amigo Egito me mandou um “zap” em que Toquinho conta a história do samba que compôs com Vinicius de Morais, “Regra Três”. Diz ele que o “Poetinha” letrou um samba seu e ele não gostou, dizendo ao parceiro que ele poderia fazer coisa melhor. Vinicius ficou uma fera e mudou tudo, quis sacanear Toquinho, que era muito namorador, e o poeta vivia dizendo que qualquer hora ele iria se ferrar. E e não é que Toquinho adorou a nova letra? Foi e ainda é um grande sucesso da dupla.
Olha aí parte da letra: “Tantas você fez que ela cansou por­que você rapaz, abusou da regra três (Toquinho namorava vá­rias ao mesmo tempo)”. No meio da música a letra diz: “Tem sempre o dia em que a casa cai…” E no final, o poeta matou a pau: “Mas deixe a lâmpada acesa, se algum dia tristeza quiser entrar, e uma bebida por perto, porque você pode estar certo, que vai chorar.” A sacanagem virou música.

Sexta conto mais.

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