Eram tempos de ditadura militar e éramos jovens. No final dos anos setenta, no interior de São Paulo, o desejo de parte da juventude era o mesmo do resto do país: lutar pelo resgate da democracia. Dois caminhos possíveis eram a política e a arte.
Foi nessa época que um grupo de alunos de Ciências Sociais da Unesp de Araraquara – sintonizados com centenas de outros universitários de todos os lugares – fundou o Cineclube Zoom, onde se reuniam para ver e estudar cinema e discutir os rumos políticos do Brasil e do mundo.
Essa seria a semente do que depois se transformaria numa das mais bem sucedidas instituições de produção e difusão de cultura e educação do interior do país. O Cineclube Cauim.
Agora, em 2019, o Cauim completa 40 anos e sua história daria um belo roteiro de cinema.
Levados pela ousadia e a arrogância própria da idade, parte dos jovens universitários de Araraquara funda em Ribeirão Preto, em 1978, o Grupo de Teatro Cauim – o nome derivava de uma beberagem indígena e os integrantes não entendiam nada de teatro. Mas paixão serve pra isso, pra mergulhar nos desejos.
Sem sede, ensaiavam peças em escolas, apresentavam-se na rua e editavam folhetos de poesia vendidos em bares, eventos e festas. Por incrível que pareça, ganhavam um bom dinheirinho com a pequena editora.
Aos poucos, a criatividade ruidosa do grupo começou a atrair alguns intelectuais, profissionais e artistas mais velhos e experientes. Fotógrafos, artistas plásticos, professores, atores passaram a integrar o grupo e apoiaram a ideia de fundar um cineclube nos moldes do Zoom de Araraquara.
A ideia era formar um centro de estudos, pesquisas, discussões, produção e divulgação do que se chamava então “cinema de arte”, ou seja, produções de qualidade, geralmente ignoradas pelo circuito comercial. Depois de algumas idas e vindas, fundam em 1979, o Cineclube Cauim, alugando alguns horários de um cinema decadente da cidade.
Amparados por alguns contatos, começam a frequentar a rua do Triunfo, em São Paulo, a famosa Boca do Lixo, meca da produção cinematográfica brasileira, onde alugavam a preço de banana ou conseguiam de graça cópias de excelentes produções estrangeiras e brasileiras. Afinal, o que queriam exibir não interessava à indústria de distribuição do chamado “cinemão”.
Bergman, Pasolini, Kurosawa, Coppola, Antonioni, Chaplin, além de excelentes produções nacionais, ingressavam no repertório da cidade pelas portas do Cauim. Com 380 lugares e algumas sessões por semana, a ideia foi um sucesso. O cinema lotava, assim como o bar do lado, que virou “point”. Aos poucos, cineastas brasileiros como Roberto Santos e João Batista de Andrade, simpáticos à iniciativa, também se aproximavam e incentivavam.
Algum tempo depois, o Cauim já ocupava todas as sessões do cinema, diariamente, e ainda montava ciclos de cinema de diferentes países e sessões de filmes infantis pela manhã. Detalhe: o preço do ingresso era menos da metade do que aquele pago nos cinemas tradicionais. E algumas mostras eram gratuitas
Numa cidade com pouquíssimas opções culturais, o Cauim tornou-se o xodó de um público ávido por consumir esses produtos. Por exemplo, professores e alunos da USP eram frequentadores assíduos. (continua no próximo domingo)