Delia Steinberg Guzmán, Directora Internacional da Nova Acrópole, organização portuguesa iniciada em 1957, voltada a ações de cultura, filosofia e voluntariado, publicou uma mensagem sobre a arte de ouvir que, nos tempos bicudos que temos vivido, merece destaque. Por ser este o primeiro texto de 2019 em nosso espaço, gostaríamos de iniciá-lo com esta mensagem e convidar todos a refletir sobre ela.
“À medida que o final do nosso século se aproxima, as relações humanas tornam-se cada vez mais complexas. Muitas vezes escrevemos sobre o fenómeno curioso que aconteceu neste nosso tempo, nesta chamada «era das comunicações», na qual é, precisamente, tão difícil comunicar de verdade uns com os outros. Qualquer comunicação, e a humana que é a que nos interessa, fundamenta-se no intercâmbio de factores vitais; caso contrário, mais do que comunicação é simplesmente uma roçadura. Mas, o que somos capazes de intercambiar? Velhos hábitos que formavam parte da educação tradicional (hoje tão flagelada pelas críticas) punham-nos em contacto com bons livros e permitiam-nos manter uma boa conversação.
Ouvir é poder fazer a comparação com o que nós pensamos e ter a oportunidade de calibrar, após essa comparação, o peso dos nossos pensamentos. Ouvir é saber intervir no momento oportuno, sem interromper bruscamente e sem passar por alto o que o outro está a dizer. Ler e falar, por outro lado, hoje são elementos de luxo. Lê-se, sim, mas pouco e mal, e isso influencia naturalmente na nossa maneira de falar. A maioria das línguas modernas tendem para um empobrecimento tal que faltam palavras para expressar as melhores ideias e sentimentos; melhor dito, não é que faltem as palavras, mas faltam, sim, quem as saiba e possa usar. Por isso vão minguando as conversas profundas e atractivas, sendo que a relação entre os homens reduz-se, como as linguagens, as palavras imprescindíveis, quando não as expressões vulgares e feridoras que exaltam toda a violência e a agressividade contida em quem se sente mal compreendido, só e injustamente tratado pela vida.
Falar é uma das formas mais belas que temos para comunicar entre nós, para transmitirmos elementos vivos, para fazer com que os pensamentos e as emoções fluam de uma pessoa para a outra. No entanto, é muito difícil falar de modo a manter uma conversa proveitosa. Vejamos porquê. Para conversar sem preencher estupidamente os minutos, há que ter algo para dizer, algo sério, algo importante. Há que ter a alma cheia e a atenção desperta para deitar mão em qualquer momento daquilo que faz parte do nosso mundo interior. Para conversar há que ter as ideias claras, não enredar-se em repetições inúteis. Saber quando começamos e quando terminamos o que queremos dizer. Para conversar não há que ter medo das próprias ideias nem das ideias dos demais. A conversação permite, precisamente, esse salutar intercâmbio entre os que sabem defender as suas opiniões sem por isso deixarem de ouvir as razões do seu interlocutor. Para conversar há, sobretudo, que saber ouvir.
O que só se ouve a si mesmo, o que só aprecia as suas próprias ideias, o que se sente atraído pelo som da sua própria voz, o que não concede importância à existência de outras pessoas e usa-as apenas como ecrã para reflectir as suas palavras, nunca poderá conversar, nunca poderá estabelecer uma salutar relação humana. Há que saber ouvir. Não é preciso ser-se mudo ou retraído, mas antes usar essa faculdade excelente que nos faz tomar em consideração quem temos pela frente, a quem procura uma relação tanto como nós a procuramos. Ouvir é uma arte: requer prestar atenção, valorizar o que os outros dizem, entender por que é que dizem as coisas que nos dizem, ler nos olhos do que fala tanto como se ouvem as suas palavras, colaborar em silêncio com gestos que indiquem a nossa activa participação no diálogo.
Ouvir é poder fazer a comparação com o que nós pensamos e ter a oportunidade de calibrar, após essa comparação, o peso dos nossos pensamentos. Ouvir é saber intervir no momento oportuno, sem interromper bruscamente e sem passar por alto o que o outro está a dizer. É responder partindo daquilo que nos disseram e formar um fio condutor inteligente, para que a conversa tenha um sentido, ou seja, princípio, meio e fim. Ouvir é compreender os outros e a nós próprios. Neste mundo tão carente de virtudes, bem podemos, como filósofos, retomar esta valiosa atitude que traz tantos benefícios a todos nós. O que é capaz de conversar, alternando engenhosamente as suas intervenções com as dos demais, o que ouve os outros tanto ou mais do que a si mesmo, sabe colher tesouros em todos os cantos e momentos da vida. Desenvolve a observação, a paciência, o respeito e a capacidade de pensar. Saber ouvir é a melhor maneira de saber falar”.
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Iniciemos 2019 tendo isso em mente.