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A era bolsonariana

A era Bolsonariana tem início sob uma teia de interrogações, a partir da observação de alguns comentaristas: o presidente não desceu do palanque eleitoral. Ora, como poderia ter descido se seu eleitorado põe fé no ideário que tanto propagou ao correr da campa­nha eleitoral? Não é possível uma distância enorme entre o candida­to e o presidente eleito. Afinal, trata-se de confirmar uma identidade construída ao longo de anos de jornada política. É evidente que a realidade impõe freios ao tom contundente do discurso eleitoral, principalmente em frentes como a da articulação com o Congresso. Como se verá mais adiante, não será possível administrar sem ouvir as preces das bases parlamentares no Senado e Câmara.

Os riscos
Com seu discurso no Parlatório, o presidente confirmou sua marca e estilo, particularmente em relação ao combate ao vermelho petista e à simbologia que representa – socialismo/co­munismo, Venezuela, Cuba, Nicarágua, etc. É o que seu eleitorado espera no primeiro momento. E é também o que o lulopetismo espera. Afinal de contas, o PT (e seus satélites) pretende agir sob a linha divisória que ele mesmo desenhou ao longo de três décadas: “Nós e Eles”. Desvios na rota bolsonariana – insucesso na econo­mia, estado crescente de violência, desemprego massacrante – seriam o passaporte para a ressurreição do petismo.

Governar para todos
Uma questão fica no ar: não há ainda um pensamento ho­mogêneo na equipe governamental? A promessa de Bolsonaro de que “nossa bandeira jamais será vermelha” começou a ser contornada com discurso ameno do novo chefe da Casa Civil, Ônix Lorenzoni. Ele fez convite ao PT e ao PSOL para integrarem um “pacto político”, sob a linha argumentativa de que o momento aconselha que partidos deixem de lado a batalha eleitoral para pensarem no país. O pacto seria um ato de elegância política, um abraço suprapartidário que está a exigir esforço coletivo. Uma trégua, portanto, faria bem a todos. Lorenzoni deve ter acertado essa abordagem com o presidente. De qualquer maneira, emerge a impressão de que os discursos do chefe do Governo e de seu subordinado não fazem parte da mesma trilha sonora.

Economia puxando o trem
A economia é a locomotiva que puxa os carros do trem. Sob essa simbologia, o ministro Paulo Guedes será a estrela ascendente do governo. Diz-se que quer anunciar medidas a rodo, algo como um pacote a cada dois dias, a começar por sete medidas baixadas pelo ex-presidente Michel Temer, que seriam revisadas. A Câmara de Comércio Exterior deve começar a abrir a economia com a redução de tributação para bens de capital, informática e telecomu­nicações. Assim, o animus animandi de setores produtivos ficaria aquecido, garantindo investimentos e resgatando a confiança. Sob um ritmo que tende a ser continuamente acelerado, a locomotiva puxaria a economia e, sob esse arranque, o discurso ideológico ten­de, até, a ser esmaecido. Com os eixos da engrenagem econômica encaixados, o pulmão nacional respiraria oxigênio novo.

O tom social
Comenta-se, ainda, que o presidente não se referiu à meta de reduzir as desigualdades. Ou teria deixado de dar ênfase ao cobertor social. Como se sabe, este manto cobriu toda a era do lulopetismo. Bolsonaro preferiu não entrar na semântica de pro­teção das margens; de um lado, para evitar comparações com a linguagem do petismo, de outro, para economizar palavras numa frente que tem servido ao palavrório populista, hoje desgastado. A impressão é a de que o novo governo quer mostrar ações, evi­tando a verborragia das promessas. Se foi esta a ideia, temos de convir que o presidente agiu corretamente. O dicionário político está locupletado de adjetivos sobre a desigualdade de classes, combate à pobreza, etc. Se o novo governo enfrentar para valer as carências sociais – saúde, educação, segurança – certamente estará respondendo com fatos aos anseios das bases da pirâmide. Bolsonaro se referiu a essas demandas.

A base do equilíbrio
Continua forte o tom, com certa dose crítica, à presença de muitos militares no governo. Mais uma vez, analistas parecem esquecer a fonte de onde Jair Bolsonaro tira a água para beber: o poço militar. Foi na vida militar que o capitão construiu sua iden­tidade. Ao entrar na política, já estava moldado ao ideário militar, com seus valores, linguagem e modos de agir. É previsível que um militar, guindado à presidência, tenha a seu lado perfis e quadros de confiança. Inclusive, militares que viveram e compartilharam, juntos, da vida da caserna. Desse modo, explica-se a base militar que se posta ao lado do presidente, que traz princípios que pode­rão ser úteis ao país: o dever de cumprir a missão, a objetividade, o respeito, a hierarquia, a ordem. Em suma, os assessores militares conferem certa segurança ao novo governo, um aviso do tipo: o presidente está bem resguardado.

Isolacionismo
Aos aspectos que podem ser considerados positivos, apresen­tam-se ângulos com possibilidades de trazer ameaça à imagem do país. Entre eles, o alinhamento automático aos Estados Unidos, o que já se traduz na manifestação de transferência da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém; a ruptura do Brasil com o concerto das Nações comprometidas com a questão do clima e preservação ambiental; certo viés ultraconservador no desenho das relações internacionais do país, que pode nos cobrir com uma veste de viés “fundamentalista”. Tal percepção pode não se confirmar, até porque o Brasil, no momento certo, poderá tomar decisões que se ajustem ao figurino internacional.

Articulação política
Na esfera interna, mais cedo ou mais tarde, a real politik acabará prevalecendo. O presidente está certo em desejar eliminar mazelas que circundam o presidencialismo de coalizão: feudalis­mo, grupismo, mandonismo, nepotismo, fisiologismo, frutos da árvore patrimonialista. Maneira de perfurar alguns tumores que afetam o corpo político seria a articulação com as bancadas temá­ticas. Evitar o toma lá, dá cá que faz parte do cotidiano da política. Em seu início, sob a grande força que o sustenta, o novo governo até pode se valer dessa modalidade de articulação. Mais adiante, porém, a realidade política se imporá. Nesse caso, ele pode perder um ou outro dedo para salvar as mãos: atender a pedidos de par­tidos para cargos no segundo e terceiro escalões. Deixaria de fora, porém, os quadros do primeiro escalão. O que já seria um avanço.

Imagem simpática
A primeira dama é um show de simpatia. Quebrou o protoco­lo, discursando antes de seu marido, para fazer um bem recebido discurso em favor dos deficientes auditivos e em defesa dos valo­res da família. De maneira inédita, apresentou sua mensagem na linguagem de Libras, tendo sua gesticulação sido traduzida. Michelle Bolsonaro abre uma porta de simpatia nos Palácios frios de Brasília.

Corrupção e segurança
A alta visibilidade do novo governo terá em Sérgio Moro, o ministro da Justiça, uma das luzes. Moro deve gerar impacto em duas áreas: combate à corrupção e segurança pública. Vai ser duro contra corruptos. Passará a limpo todos os cantos e recantos da administração pública. Já a segurança pública deverá ser outro pilar da imagem governamental. Prevê-se controle maior das fronteiras e políticas mais duras contra a bandidagem. O governo poderá ter bons resultados no médio prazo.

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