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Carmen Cagno – A casa do meu bisavô

Existe um lugar que fica nas bordas do centro da cidade, onde durante muitos anos, existiu uma casinha, um pequeno bangalô, construído por Paschoal Baldassare, um imigrante italiano que aqui chegou no final do século XIX para viver o sonho do Eldorado.

Paschoal tinha então 18 anos e chegou primeiro em Santa Rita do Passa Quatro. Ali conheceu Maria Siena, também vinda da Itália, e com ela se casou. O detalhe curioso é que ela tinha 35 anos, era viúva e trazia na bagagem quatro filhos.

A ousadia do jovem apaixonado deve ter escandalizado a província. Mas ele não pareceu se importar. Com a mesma coragem e independência, traçou seu caminho aqui na terra rossa: mudou pra Ribeirão, tornou-se representante de uma empresa de ferragens e teve mais três filhas com Maria. A vida lhe devolveu as recompensas do esforço e a família seguiu seu curso com dignidade e um certo conforto.

Com as economias, construiu sua casa de esquina, ao lado da qual levantou outras três para abrigar as filhas casadas.

Paschoal era meu bisavô, o Nono, com quem convivi quando criança frequentando sua casa, cercada por uma varandinha de onde se avistava um jardim caipira, enfeitado de roseiras. Dentro, os cômodos rescendiam a cachimbo e molho de macarrão – iguaria que eu, meus irmãos e primos experimentávamos todo santo domingo depois da missa e de tomar-lhe a benção.

O Nono era um homem pequeno e austero. Falava pouco, com um sotaque carregado e uma vez por ano repetia um ritual com os bambini: munido de uma vara com um gancho na ponta, colhia as uvas da parreira que cobria o quintal e distribuía os cachos com paciência e parcimônia.

Quando não estava viajando pra vender suas mercadorias, todas as manhãs Nono lia religiosamente o Estadão e o Fanfulla, um jornal italiano que, desconfio, era meio metido a fascista. Depois perambulava a pé pela cidade, onde encontrava amigos, trocava ideias, discutia política e apreciava as novidades. Na época, Ribeirão cochilava sob o calor incandescente e um sossego silencioso que percorria quase todas as suas ruas. As crianças brincavam soltas na calçada e nada parecia ameaçar a rotina das centenas de imigrantes que fizeram daqui seu lar.

Pois bem. Essa historinha talvez explique a alegria que sinto por estrear hoje essa coluna. O primeiro motivo é colaborar com o jornal Tribuna, que há 23 anos publica as notícias da cidade, enfrentando todo tipo de dificuldade numa terra onde a imprensa não parece ter um retorno alvissareiro.

Sem muito alarde, nem planos mirabolantes, o Tribuna acabou se tornando um dos poucos espaços impressos de informação diária da cidade, carregando em suas páginas a dignidade do fazer jornalístico: farejar a notícia, ir atrás dela, levantar as informações necessárias e entregá-la ao público – um dos caminhos mais tradicionais e necessários para revelar a cidade aos seus moradores, formar opinião e transformar leitores em cidadãos.

Jornal à moda antiga sim. Feito da essência do ofício – fatos e texto.

Mas o outro motivo da minha alegria ao estrear no Tribuna, embora bem mais prosaico e romântico, não deixa de ser importante. Sua sede ocupa, desde que foi fundado, exatamente o local onde há mais de 70 anos, meu Nono construiu sua casa e nela viveu até morrer.

Taí. O Tribuna agora faz parte da minha vida.

 

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