Maria Ysabelle e Maria Ysadora, de 2 anos, gêmeas siamesas que nasceram unidas pela cabeça, receberam alta médica do HC Criança, unidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP/USP), nesta sexta-feira, 7 de dezembro. Elas ficarão na cidade até dia 27, depois do Natal, antes de embarcar para Patacas, distrito de Aquiraz, distante 35 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, onde nasceram.
Retornarão para Ribeirão Preto em janeiro para o período de reabilitação, que deve durar um ano – ficaram deitadas muito tempo na cama, e agora precisam de trabalhos de fisioterapia para fortalecer a musculatura e desenvolver os movimentos. Antes da volta, porém, vão aproveitar o réveillon e viajar para o litoral. Os pais querem levar as filhas para que conheçam o mar e vejam a praia, provavelmente na capital cearense.
As gêmeas deixaram o Hospital das Clínicas por volta do meio-dia de ontem, depois de um ano cheio de batalhas – entre fevereiro e outubro, passaram por cinco cirurgias até a separação. A família está em Ribeirão Preto há um ano e meio e mora temporariamente no campus da USP. Com o apoio de voluntários, conseguiu mobiliar o imóvel e outros itens necessários para as crianças e também para os pais, Diego Freitas Farias e Débora de Freitas.
As meninas estavam internadas na enfermaria pediátrica havia 40 dias. A viagem para o Ceará será a primeira desde o início do tratamento. Nesta sexta-feira, pela primeira vez os pais puderam passear com as gêmeas. Em dois carrinhos de bebê, levaram Maria Ysabelle e Maria Ysadora para dar uma volta pelos jardins do campus. Posaram para fotos e vídeos e emocionaram a equipe médica – são cerca de 30 profissionais envolvidos desde o início do procedimento, inédito no Brasil.
“A felicidade é grande. Sabe, poder sair com elas bem e em tão pouco tempo de cirurgia. Agora a gente vai poder passear com elas e, no dia 27, vamos para Fortaleza. Na virada do ano a gente vai levar elas para conhecer a praia, que elas não conhecem ainda”, diz o pai das meninas. A mãe Débora Freitas agradeceu a Deus e à equipe médica. E não escondeu a emoção. “Eu falo que elas têm duas datas de nascimento: o dia 1º de julho é o dia em que elas nasceram, mesmo juntinhas, e que foi um aprendizado que Deus dá para quem pode superar tudo isso; e o dia 27 de outubro, que foi o dia que elas nasceram separadinhas, do jeito que era para elas nascerem”, diz.
A pediatra Maristela Bérgamo, que acompanha as siamesas desde o início do tratamento, disse que vai sentir saudade. “Muitas saudades. Depois de tanto tempo, quase todos os dias pensando nelas, trabalhando por elas, então a gente vai sentir muita falta sim”. Segundo os médicos, após muitas incertezas, as gêmeas terão condições de seguir a vida normalmente. “É extremamente gratificante chegar ao final. Provavelmente, toda a nossa programação foi correta, era isso que tinha que ser feito e o resultado está aí”, afirma o professor chefe do Departamento de Neurocirurgia Pediátrica, Hélio Rubens Machado.
Para o neurocirurgião Ricardo Oliveira, que também acompanhou o tratamento, a evolução motora e cognitiva das meninas é considerada boa. As duas foram separadas há pouco mais de um mês depois de uma série de cinco cirurgias que começou em fevereiro. A separação definitiva ocorreu em 27 de outubro. As duas irmãs têm desenvolvimento normal, como qualquer criança da idade delas, estão aprendendo a falar, brincam juntas e até já ficam sentadas para se alimentar. No dia 31 de outubro, a equipe médica divulgou uma foto em que as gêmeas aparecem nos colos do pai Diego e da mãe Débora Freitas, separadas e com as cabeças enfaixadas.
As irmãs passaram por cinco cirurgias desde fevereiro. A última, como em todos os procedimentos que envolvem as siamesas, contou com apoio de 30 profissionais. A operação de separação das gêmeas craniopagus é inédita no Brasil – a equipe do HC de Ribeirão Preto foi a primeira a realizar esse tipo de cirurgia. O médico norte-americano James Goodrich, referência mundial no assunto e que criou o método de separação de siamesas por etapas, acompanhou a operação. Segundo ele, antes da cirurgia por fases era muito difícil salvar as duas pessoas e os pais, muitas vezes, tinham de escolher quem sobreviveria.
Todo o processo de separação das meninas é custeado pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Nos Estados Unidos, uma cirurgia de separação como a delas custa cerca de R$ 9 milhões. A equipe que participou da cirurgia de separação foi composta por neurocirurgiões, cirurgiões plásticos, neuroradiologistas, anestesistas, pediatras intensivistas e enfermeiros – foram homenageados pelo prefeito Duarte Nogueira Júnior (PSDB) e pela Câmara de Vereadores..
A primeira operação ocorreu em 17 de fevereiro e durou cerca de sete horas. A segunda cirurgia, em 19 de maio, teve duração de oito horas. A terceira cirurgia ocorreu em 3 de agosto e se estendeu por oito horas. A quarta cirurgia aconteceu em 24 de agosto, quando os médicos implantaram expansores subcutâneos para dar elasticidade à pele e garantir que, na separação total de corpos houvesse tecido suficiente para cobrir os dois crânios. A última levou mais de 20 horas.