Membro do Conseg – Centro e vice-presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsean), Guido há 13 anos é gestor do programa social que atua à frente do Bom Prato. Nessa entrevista ele fala um pouco sobre seus planos à frente da secretaria que tem como um dos grandes desafios a implementação de ações para as milhares de pessoas em situação de rua, existentes em Ribeirão Preto.
Tribuna Ribeirão – O que o levou a aceitar o cargo de secretário municipal de Assistência Social?
Guido Desinde Filho – Há muitos anos eu venho participando ativamente de ações sociais junto a organizações da sociedade civil. Ao longo de toda minha carreira profissional já lidei com diversos públicos, sobretudo, com pessoas em situação de vulnerabilidade social. Achei oportuno o desafio de assumir a secretaria de Assistência Social e poder contribuir na realização de políticas públicas voltadas para essa área. A secretaria cumpre um papel de grande importância, principalmente, na tentativa de resgate da dignidade de parcela da população que está à margem da sociedade. Tenho consciência de que o diálogo com a população é muito importante, pois já participei como membro da sociedade civil, em um projeto social de outra Secretaria (Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo).
Ademais, reconheço a importância do diálogo entre as diversas secretarias do município para melhor elaboração de políticas públicas, projetos, encaminhamentos e ações conjuntas. Portanto, minha experiência profissional como administrador, minha participação em trabalhos sociais, meus estudos em serviço social e minha participação como membro da sociedade civil dialogando com o Poder Público contribuíram para que eu assumisse o cargo de Secretário. Meu desafio é poder fazer uma boa gestão pública.
Tribuna Ribeirão – Ribeirão Preto possui segundo cadastro do Instituto Limite, 3.045 moradores de rua, sendo que 2.861 oriundos de outras cidades. Como atender e criar ações para estas pessoas?
Guido Desinde – Nossa função é dar proteção social de assistência social devida e disponível na rede pública, seja para os nascidos na cidade e para os que migrantes ou itinerantes e não possuem vínculos no município. Para aqueles que não têm estes vínculos temos o Serviço de Recâmbio, oferecendo passagem para retorno ao local onde possuem vínculos familiares e comunitários ou para localidades próximas aos locais de origem quando a distância e os recursos disponíveis não permitem o custeio total do retorno. Este direito só pode ser utilizado uma vez a cada oito meses por um mesmo usuário.
A Casa de Passagem (ex- Cetrem), realizou 5.868 atendimentos aos moradores de rua e migrantes entre junho do ano passado e julho deste ano. Com relação às essas pessoas naturais de Ribeirão Preto em situação de rua, a Casa de Passagem faz seu encaminhamento ao Centro de Referência Especializado para atendimento à população em situação de rua.
Já o Centro POP atendeu 671 usuários e realizou 3.751 atendimentos nos últimos seis meses. O município estuda algumas mudanças para melhorar o serviço assistencial às pessoas em situação de rua, como deslocar o Centro POP e o Serviço de Atendimento a Pessoas em Situação de Rua para próximo da região Central.
Outra medida seria trazer o serviço de Recâmbio para mais perto do Terminal Rodoviário, fornecendo passagem de recâmbio fundamentada em objetivos claros de vulnerabilidade, combatendo o uso deste serviço tão somente pela ação assistencial.
Tribuna Ribeirão – Como diminuir o poder da atração que Ribeirão Preto exerce neste tipo de pessoas que diariamente migram para a cidade?
Guido Desinde – Por parte do Poder Público, respeitando a cidadania, mas não permitindo que o usuário manipule o sistema em favor de oportunismo, comodismo e conveniências pessoais, apenas com fins de levar vantagem de alguma natureza. O controle adequado mais o estudo de cada caso e o acompanhamento com um plano personalizado de atendimento, associado a um contrato individual de compromisso e comprometimento do usuário é um dos caminhos para isto. Outro meio importante é ampliar e integrar a ação sócio assistencial de forma a contemplar toda a Região Metropolitana de Ribeirão Preto.
Tribuna Ribeirão – O poder público sozinho tem mecanismos capazes como reverter este quadro?
Guido Desinde – Tem muitos mecanismos, mas não pode fazer tudo sozinho, pois os recursos são sempre escassos e precisam ser utilizados de forma coerente, dinâmica e adequados. Um dos grandes óbices é a ação de indivíduos e grupos da sociedade civil, de natureza assistencialista e desconectada. No afã de solidariedade e fraternidade – que são sentimentos nobres e filantrópicos -, eles acabam alimentando o desperdício, o comodismo, o oportunismo e a conveniência de levar vantagem para alguns usuários, e atraindo para a cidade, pessoas que não encontram tratamento igual nas cidades onde estavam.
Claro que não se deve desestimular tais ações filantrópicas, mas apenas orientar sobre a importância e necessidade de fazê-las de forma integrada a assistência social, notadamente ao SEAS – Serviço Especializado de Abordagem Social. Assim evitaremos a sobreposição de ações e combateremos alguns atos ruins da população como “dar esmolas”, incentivar o trabalho infanto-juvenil por meio de aquisição de produtos em sinaleiros, ainda que com boa intenção, distribuir vestuários, alimentos e outros serviços e produtos de forma aleatória. Essa desconexão promove a concentração de usuários num mesmo local, criando problemas a livre circulação e segurança da população, e alimentando o comodismo, repetimos e o desinteresse em encaminhamentos mais adequados a proteção social.
Tribuna Ribeirão – Regra geral as pessoas não gostam de ver moradores de ruas, nas esquinas pedindo esmolas. Mas geralmente dão esmolas. Isso não cria um círculo vicioso e alimenta este processo de mendicância?
Guido Desinde – Com certeza, alimenta o comodismo, as conveniências e os oportunismos. Além do uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas, em função da facilidade de sua aquisição com os recursos recebidos sem controle.
Tribuna Ribeirão – No passado uma das iniciativas as prefeituras era encher veículos com moradores de ruas e levá-los para outras cidades, geralmente a de origem. Como o senhor analisa esta postura governamental?
Guido Desinde – Com a Constituição Federal de 1988 tornou-se fundamental o respeito à cidadania do indivíduo e seu direito de ir e vir (que não se amplia para o direito de ficar e ocupar espaço público como privado). Mas esta é uma questão social e de saúde pública e não de polícia ou de segurança pública A não ser nos casos em que o espaço é ocupado para prática delituosa, que a situação de rua pode até explicar, mas não justificar a prática e muito menos sua impunidade.
Tribuna Ribeirão – A Câmara aprovou recentemente projeto do Executivo que cria a política municipal para moradores de rua. No que consiste basicamente esta legislação?
Guido Desinde – Formaliza e define diretrizes para a ação da política pública, para governo e sociedade civil, permitindo a construção de um sistema e uma rede que a atenda e enfrente suas demandas, a partir de protocolos e fluxos previamente definidos, quanto à responsabilidade de cada agente envolvido, público e/ou privado.
Tribuna Ribeirão – O que é a rede integrada de atendimento que deverá ser criada a partir desta lei?
Guido Desinde – É uma rede de articulação, interlocução, integração, cooperação, interatividade e compartilhamento de dados, ações e informações de forma a evitar desperdícios de recursos, sobreposições de ações, e promover em conjunto, eficiência, eficácia, efetividade e resolutividade nas ações realizadas.
Tribuna Ribeirão – Hoje o município tem programas e vagas em instituições em quantidade suficientes para atender moradores de rua com problemas de dependência química?
Guido Desinde – O município tem demanda de implantação de Unidades de Atendimento a Adultos, vinculadas aos CAPs-i-ad (Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), da Secretaria Municipal da Saúde. A ONG Dona Manuelina de Oliveira, tem suprido essa demanda com crianças e adolescentes. Por outro lado há o atendimento em clínicas terapêuticas, via Programa Recomeço, que tem procurado atender a demanda, quando existe a adesão voluntária do interessado. Temos demandas de pré-internação e pós -internação, quando não há apoio e suporte sócio-familiar possível, e que tem sido atendida em alguns casos pelo Serviço de Acolhimento, e também pela ONG Projeto Mudando Vidas.
A questão é que o atendimento em drogadição hoje consegue resolutividade em torno de apenas 20% a 30% dos casos encaminhados, ocorrendo desistência no decorrer do processo, crises de abstinência, ou resistência em aderir ao processo em muitos casos, mas é a realidade possível nesta área.
Tribuna Ribeirão – Existe algum levantamento oficial sobre o numero de moradores de que saíram das ruas e se reinseriram na sociedade?
Guido Desinde – Não existe este dado consolidado e hoje se estima que o índice é baixo, não chegando a 10% dos usuários com situação de rua consolidada. Porém, o atendimento tem obtido, por outro lado, consideráveis melhorias nas condições de vida, estratégias de sobrevivência, cuidados com a saúde e higiene pessoal, e outras situações de redução de danos e quebra de invisibilidade.