No começo de minha amizade com Sócrates, muitas vezes, eu, sentado com ele em algum lugar, danava a pensar: “Poxa, será mesmo que estou aqui, gozando da companhia de meu ídolo?”. Tinha a noção de quem ele era no Brasil e na Itália por ter lido e acompanhado sua trajetória desde o juvenil do Botafogo.
Em Ribeirão Preto, onde vivíamos, as pessoas acostumadas a vê-lo com frequência pouco ligavam, mas, quando eu o acompanhava em viagens Brasil afora ficava impressionado do quanto era querido por onde passava. Lembro-me de uma noite em que não deixaram a gente tocar violão nem cantar em dois bares.
Um ficava na rua Campos Sales, esquina com a avenida Portugal, não lembro o nome, mas sei que servia comida árabe. Estávamos saboreando um delicioso quibe cru quando Sócrates falou: “Buenão, tá gostoso aqui, vá buscar seu violão no meu carro.” Fui e logo voltei com meu “pinho”. Mal havia me aboletado na mesa e já fui fazendo uns acordes melodiosos quando o garçom aproximou-se e, educadamente, disse que ali era proibido cantar e tocar violão.
Sócrates ficou aborrecido e nem quis conversa, pediu para o garçom passar a régua e fomos procurar outro bar. Ele lembrou do Quazar Bar, que ficava na avenida Antônio Diederichsen. Sentamos do lado de fora, onde não havia cobertura, e pedimos uma gelada. Magrão me pediu para cantar “Folhas Secas”, de Nelson Cavaquinho.
Mal havia começado a cantar, o proprietário saiu lá do caixa e no maior mal humor falou: “Aqui é proibido cantar pagode”. Sócrates se levantou, jogou o valor do nosso consumo sobre a mesa e disse: “Vamos embora, Buenão”. No caminho, resmungou: “Buenão, esse cara não sabe nada, imagine achar que ‘Folhas Secas’ é pagode”.
Como sempre acontecia de eu estar em algum lugar e as pessoas se aproximarem para falar de Sócrates, um dia, numa festa, uma senhora me pediu para contar ao Magrão uma história bacana, já que ela não tinha acesso a ele. Era professora e certa vez foi, com mais de 30 colegas educadoras, numa excursão pra África. Um dos passeios organizados pela empresa era visitar aquelas enormes tendas no deserto rodeadas de areia.
À porta de uma delas, o guia disse para o beduíno que estava sentado bem no meio: “Ô fulano, esse pessoal é do Brasil”. O cara deu um pulo da cadeira e gritou: “Brasil? Brasil? Sócrates?”, completou em árabe. Rapidamente, começou a revirar velhos baús até que encontrou o que procurava. Foi desenrolando o papel até surgir uma enorme imagem de Sócrates com a camisa da Seleção Brasileira. Ele ria, apontava e falava: “Sócrates, Sócrates, Sócrates”. Seus olhos brilhavam em poder mostrar às brasileiras que até lá tinha um anônimo fã do Doutor.
Outro fato parecido. Um dentista de Franca foi a Toronto, no Canadá, fazer um curso. O voo chegou de madrugada, a bagagem atrasou e ao tentar entrar no ultimo táxi que restou, o motorista, segundo ele um negro enorme, disse que não o levaria. Sem entender, ficou esperando por outro táxi. O tempo passava e nada.
Depois de um tempão, o cara perguntou de onde era: “Brasil”. O motorista, surpreso e feliz, disse: “Brasil? Sócrates?” O dentista sacou ali uma abertura e disse ser amigo do Magrão, que jogava peladas com ele e os filhos. Resultado, o cara apanhou as malas e disse: “Vamos nessa”. No caminho revelou ser tão fã de Sócrates que, quando seu filho nasceu, foi batizado “Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira”, fechando com seu sobrenome.
Sexta conto mais.