Atul Gawande, médico residente de cirurgia em um hospital de Boston, e escritor contratado para assuntos de medicina da equipe da revista The New Yorker, é um profissional que, reconhecendo os limites da ciência, sabe o quanto a medicina, triunfando sobre grande número de doenças ao longo dos séculos, conseguiu transformar a vida humana desde os perigos do parto, e dos ferimentos, até as doenças mais devastadoras, controlando-as. A relevância disso na atualidade? Essa mesma medicina, enquanto proporciona qualidade de vida, buscar garantir uma boa morte a todos os mortais.
De modo geral, médicos, nas mais variadas circunstâncias, sempre recorrem a esperanças e tratamentos que, no seu entender, podem trazer mais conforto e tranquilidade aos clientes. Entretanto, o envelhecimento dos que amamos, principalmente de nossos pais e avós, nos fazem conscientizar sobre o quanto é preciso estarmos preparados para ajudá-los a enfrentar as dificuldades decorrentes da finitude. Gawande, discorrendo sobre histórias comoventes de pacientes, e de seus próprios familiares, busca, na obra “Mortais”, refletir sobre o caminho que devemos percorrer para lidar, sabiamente, com tal finitude.
Indagando, “Afinal, como é que enfrentamos o envelhecimento das pessoas que amamos?”, o autor afirma só ter percebido que estava mal preparado para lidar com a morte quando foi confrontado com a decadência do seu pai. “Estaria seu pai disposto a viver até onde fosse medicamente possível? Ou só enquanto tivesse qualidade de vida? E em casa ou numa ILPI? O que era realmente importante?”. Ciente de a medicina moderna, com todos os extraordinários progressos tecnológicos, vir se ocupando em priorizar “manter os pacientes vivos”, Gawande entende ser importante relembrar a todos que a vida também existe nos intervalos das consultas e cirurgias, momentos, estes, em que a medicina, para além de prolongá-la, deve prolongar, também, a qualidade com que esta é vivida. Um trecho?
“Durante minha infância e adolescência, não testemunhei doenças graves ou as dificuldades da velhice. Meus pais, ambos médicos, eram saudáveis e gozavam de boa forma física. Eram imigrantes indianos criando minha irmã e eu na pequena cidade universitária de Athens, Ohio. A experiência de uma velhice nos tempos modernos era algo totalmente fora da minha percepção. Na faculdade, porém, comecei a namorar uma menina…e em 1985, em uma visita de fim de ano a sua cidade natal…conheci sua avó…que tinha 77 anos…pessoa animada e independente. Não tentava disfarçar a idade. Não pintava o cabelo…mãos…cobertas de mancha senis…pele enrugada…blusas e vestidos simples, cuidadosamente passados, batom e… salto alto por muito mais tempo do que teria sido considerado aconselhável. Mais tarde eu soube…que [ela]… crescera em uma cidade rural na Pensilvânia, conhecida por suas fazendas de flores e cogumelos. Na Universidade…conheceu Richmond Hobson…[e] sótiveram dinheiro suficiente para se casar seis anos após a formatura. Então, em uma viagem de negócios a Seattle, Rich sofreu um infarto fulminante [aos] sessenta anos de idade. Alice, 56…vivia sozinha naquela casa na rua Greencastle havia vinte anos…[e] levava uma vida completamente independente. Cortava sua grama e sabia consertar o encanamento, se fosse necessário. Ia à academia com sua amiga Polly. Gostava de costurar e tricotar e fazia roupas, cachecóis e elaboradas meias de Natal vermelhas e verdes para todos da família, adornadas com um Papai Noel de nariz de botão e o nome de cada pessoa no topo. Organizava um grupo que fazia uma assinatura anual para assistir a apresentações no centro de artes John F. Kennedy. Sentada em uma almofada para conseguir enxergar acima do painel, dirigia um grande Chevrolet Impala com motor de oito cilindros. Estava sempre de um lado para outro, resolvendo coisas, visitando parentes, dando caronas a amigos e entregando refeições para pessoas mais fragilizadas do que ela”.
A lição que se toma disso? Não parar. Não se sentir fracassado. Não temer seguir em frente. Fazer de cada coisa a mais especial de todas. Ponderar, enfim, sobre as perspectivas que nós, mortais, temos da nossa própria finitude, aprendendo a lidar com a finitude dos outros.
Pessoal, filosófico, comovente. Uma lição de vida em tempos nos quais a vida se prolonga cada vez mais.