O neurocirgurgião Ricardo Santos Oliveira, médico do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto – vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) –, confirmou ao Tribuna nesta sexta-feira, 19 de outubro, que a quinta e derradeira cirurgia para separação das irmãs siamesas Maria Ysabelle e Maria Ysadora, de 2 anos, que nasceram unidas pela cabeça, será realizada no próximo sábado, dia 27.
Ele estima que esta seja a intervenção mais demorada, e deve levar entre dez e doze horas. O procedimento é tão minucioso que a equipe envolvida na separação das gêmeas fez um “simulado” nesta semana. “Reproduzimos o ambiente da cirurgia, a disposição do material, as funções delegadas a cada participante. Estamos confiantes. O primeiro procedimento será revisar tudo o que foi feito nas quatro etapas anteriores”, diz Oliveira.
A cirurgia está prevista para começar às sete horas da manhã. A equipe conta com cerca de 20 profissionais. Segundo Oliveira, a última operação terá quatro etapas. “Primeiro, vamos revisar e complementar o que já foi feito na parte interna, checar se não há mais nenhuma veia, nenhum vaso unindo as meninas. Depois vamos trabalhar na reconstrução da membrana cerebral (dura máter), da estrutura óssea e do couro cabeludo”, explica.
No pós-operatório, as meninas permanecerão mais tempo na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do que após as cirurgias anteriores – a primeira foi realizada em 17 de fevereiro e durou sete horas. A segunda foi em 19 de maio. A terceira etapa, realizada em 4 de agosto, durou oito horas. A mais recente, a quarta, ocorreu em 24 de agosto e levou cinco horas. A próxima vai começar logo no início da manhã e só deve terminar à noite. As gêmeas vão ficar mais tempo sob o efeito de anestésicos.
O neurocirurgião Hélio Rubens Machado afirmou que 80% dos cérebros, veias e artérias das irmãs siamesas já foram separados. “Isto só foi possível porque avançamos nas etapas anteriores, além do planejado dentro do limite de segurança”, explica Ricardo Santos Oliveira. Todos dizem que a “evolução das meninas é surpreendente”.
O chefe da Divisão de Cirurgia Plástica do HC, Jayme Farina Junior, disse, após a quarta cirurgia, que os médicos implantaram quatro expansores subcutâneos para dar elasticidade à pele e garantir que, na separação total de corpos (a próxima fase), haja tecido suficiente para cobrir os crânios. Os expansores são espécie de bolsinhas de silicone e foram implantados nas têmporas, nuca e na testa das meninas.
Depois de 15 dias, a equipe começaria a enchê-las com soro fisiológico com o objetivo de fazer a pele esticar. Não chega a dobrar de tamanho, mas ganha em torno de 30% da área que tem agora. “Então, a gente consegue cobrir uma área maior, depois da última cirurgia. As válvulas ficam embaixo da pele, em quatro lugares diferentes. Cada expansor tem uma válvula”, afirma. A cirurgia contou com uma equipe de 20 profissionais liderados pelo Farina Junior.
As irmãs siamesas serão definitivamente separadas um mês antes da previsão inicial (novembro). As meninas têm cérebros independentes, mas com áreas de vascularização interligadas. São esses vasos sanguíneos que foram separados em cada das cirurgias realizadas até agora. Trinta profissionais de diferentes áreas estão envolvidos neste processo, entre eles o médico norte-americano James Goodrich, referência mundial no assunto. Até o molde de silicone foi produzido para ajudar os médicos nas cirurgias.
Todo o processo de separação das irmãs só está sendo possível por causa de uma parceria entre a Faculdade de Medicina da USP e o Montefiore Medical Center de Nova York, Estados Unidos. Segundo os médicos, as meninas se alimentam, respiram, se comunicam e têm desenvolvimento normal, como qualquer criança da idade delas.
Trajetória de luta
Naturais do distrito cearense de Patacas, distante 35 quilômetros de Fortaleza, as irmãs siamesas Maria Ysabelle e Maria Ysadora, estão sendo acompanhadas por uma equipe multidisciplinar do Hospital das Clínicas. Entretanto, a luta dos pais das meninas para separá-las começou no Ceará, com o neurocirurgião pediátrico Eduardo Juca. Ao tomar conhecimento do caso das irmãs, alguns meses após o nascimento delas, ele passou a fazer o acompanhamento médico das meninas.
Em função da complexidade do caso, decidiu encaminhar as duas para o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, onde ele estudou. Jucá foi aluno da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto e se especializou neurocirugia pediátrica. Todo processo de separação das meninas é custeado pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Nos Estados Unidos, um processo de separação como o delas custa cerca de R$ 9 milhões.