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De “As naus”, de Lobo Antunes ao “Velho do Restelo”, de Camões

Romance publicado em 1988, data na qual Portugal e as antigas colônias africanas independentes já estão integradas à Comunidade Econômica Européia, o romance “As naus”, do es­critor português Lobo Antunes, trata das viagens de regresso dos colonos portugueses que estiveram na África enquanto Portugal deteve o poder sobre algumas nações africanas, como Angola, Moçambique, Cabo-Verde e Guiné-Bissau. Com o fim próximo do Império Colonial, e a corrida dos africanos em busca do po­der, um clima tenso de violência extremada se instaurou nesses territórios africanos, tornando insustentável a permanência de milhões de portugueses nas antigas colônias portuguesas.

O abandono do território africano pelas tropas portuguesas sem qualquer transição política e nem cooperação técnica e eco­nômica aos países africanos contribuíram para a agravante situ­ação de miséria e de conflitos civis desencadeados nesses países. Seu enredo traz, portanto, narrativas ambientadas nas décadas finais do século XX, décadas, estas, de ruína para Portugal. Em outras palavras, recupera o passado glorioso em contraposição a um presente sem esperança, constituindo-se uma revisitação à História portuguesa das navegações.

A grafia “Lixboa”, “Loanda” e “reyno”, na ortografia do século XVI, são referências claras ao período da expansão marítima portuguesa. O autor traz personagens históricas, como, por exemplo, Vasco da Gama, um dos gloriosos navegadores do passado, destituindo-lhes da aura mítica outrora atribuída. Libertados da categoria de “mito”, essas personagens históricas são apresentadas, então, como seres humanos que erram, que se arrependem, que comparam, enfim, que têm sentimentos e desejos. A proposta do autor? Um “ajuste de contas” com a his­tória que destacou Portugal como império marítimo no cenário europeu do século XVI, mostrando a que este ficou reduzido.

Um exemplo? Sobre o episódio do ‘Velho do Restelo’, de Os Lusíadas, de Camões. Tratando-se este do episódio que apresenta um “velho de aspecto venerando” que estava na praia de Restelo quando as naus partiram, para prenunciar as ruínas que trariam o progresso e a técnica, Camões compara tal progresso ao su­cesso de Prometeu que foi buscar nos Infernos o fogo para os ho­mens. Sua relevância? A crítica da busca insana e insensata dos homens pela Fama, pela vã cobiça humana, pela vaidade e pelo desejo por riquezas e poder. A fala do velho é, portanto, uma contradição à glórias que Portugal busca com aquela viagem.

Comparando “As naus”, de Antunes, com o episódio do ‘Velho do Restelo’, de Camões, em “As naus”, a Cidade de Lixboa é retratada degradada,sucateada e povoada por mitos despidos de glória. Por sua vez, em ‘Velho do Restelo’, tem-se a represen­tação da consciência conservadora portuguesa, temerosa do que a busca pelo progresso poderia trazer ao povo luso, em outras palavras, a Lisboa.

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