Por volta de 1970, eu tinha 23 anos e meu conjunto musical The Jetsons havia encerrado suas atividades. Percebi naquele momento que aquele ciclo de minha vida estava se encerrando, daí comecei a batalhar por outro sonho: ser guarda rodoviário – era assim que se dizia na época. Queria ser guarda rodoviário por vários motivos, mas os principais eram usar a farda, que eu achava linda, e patrulhar nossas estradas, como fazia em seus filmes meu ídolo Carlos Miranda, o “Vigilante Rodoviário”.
Este novo ciclo de minha vida começou em janeiro de 1972, quando fui pra escola de formação de policiais militares, isso depois de o ano anterior inteiro prestando exames. Durante a dura escola da minha formação rodoviária, tínhamos palestras motivacionais de veteranos que nos faziam sonhar. Diziam eles que sempre paravam artistas nas estradas, citavam nomes e nós, recrutas, viajávamos na maionese imaginando quem seria o primeiro que teríamos o prazer de parar na rodovia.
Dezembro de 1972, quase doze meses depois, eu nem acreditava. Estava com a farda que sonhava patrulhando a Rodovia Anhanguera, entre Jundiaí e São Paulo, não havia ainda a Rodovia dos Bandeirantes, que estava em construção. Numa madrugada daquele mês e ano, estava eu com meu parceiro – sempre um policial mais antigo para nos ensinar na prática o que havíamos estudado – quando a base do km 37 nos chamou pedindo reforço para pararmos um Dodge Dart azul que havia passado em frente à base de Campinas, no km 99, tocando uma sirene e em alta velocidade – sirene era proibida em veículos particulares.
Meu parceiro ficou na curva um quilômetro antes e quando o “Dojão” azul passou ele nos avisou. Fechamos a pista de uma maneira que não dava pra ele passar, e ao se aproximar “chegamos junto”. O motorista parou, abriu o vidro e, meio que assustado, abriu um enorme sorriso, assim meio que sem jeito, e perguntou com a voz anasalada: “Algum problema, seu guarda”?
Tivemos ali a maior surpresa de nossas vidas – imagine a minha! Era Roberto Carlos, meu ídolo. Muito simpático, ele disse ser fã dos patrulheiros, tomou do nosso café e ficou batendo papo até quase amanhecer. Disse ele que estava vindo de seu rancho no Rio Piracicaba e acionou a sirene apenas por brincadeira. Estava instalada em seu carro desde a época da Jovem Guarda, ele era autorizado e a usava pra sair do tumulto quando era cercado por fãs malucas. Roberto foi o primeiro artista que tive o prazer de parar nas estradas.
Depois dele tive o prazer de parar e conversar com muitos cantores, artistas de TV, jogadores de futebol, mas teve um que me marcou demais. Em 1990, numa tranquila manhã de domingo, observava o trânsito sob a sombra de uma árvore antes do trevo de Sertãozinho quando avistei um Ford Corcel II com a traseira muito baixa. Fiz sinal de parada, ele foi chegando bem devagar, eu o cumprimentei e ele respondeu meio tímido. Quando vi o rosto, sabia que o conhecia, mas não consegui identificá-lo. No banco de passageiro tinha um cara dormindo. Solicitei os documentos e ele pediu licença pra abrir a porta, disse que os documentos estavam no porta-malas. Eu o acompanhei e quando ele abriu a traseira, vi dois estojos de viola e violão…
Tudo clareou, estava eu diante de Tião Carreiro, o “rei dos violeiros”. Ele, mais tímido ainda, viu em meu rosto a alegria daquele momento. Disse a ele que se meu pai ainda estivesse por aqui, ao sair do serviço passaria em sua casa para lhe contar que estive com seu ídolo… Tião, com lágrimas nos olhos, disse: “Fique tranquilo porque seu pai está aqui neste momento.”
Além dos instrumentos havia um saco de arroz e um de feijão, por isso a traseira estava baixa. Ela estava levando os produtos pra Barretos, para os moradores da casa onde ficaria hospedado por alguns dias. Seu parceiro, que continuou dormindo, era “Paraíso”, sujeito “não muito simpático”, dizia Tião. Conversamos muito na sombra daquela árvore que está ali até hoje, ele me contou histórias do seu mundo, sua paixão pela viola, os alunos que teve – Almir Sater foi um deles – e, com um forte abraço, nos despedimos. Ele disse estar feliz por ter feito mais um amigo. Três anos depois, em 15 de outubro de 1993, Tião Carreiro nos deixou, vítima de complicações da diabetes.
Sexta conto mais…