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Os heróis do consumo

Antigamente os pais mostravam aos filhos os bons exem­plos de quem servia de paradigma. Os valores eram outros, não aqueles que agora predominam. Uma era em que “ser” valia a pena; “ter” era uma circunstância. Padrões eram os produtores de mudanças saudáveis na vida do semelhante.

Um dos grandes temas da cultura de massas, observa Jean Baudrillard, citando Edgar Morin, é a constatação de que, em lugar dos “heróis da produção”, hoje vigora o culto aos “heróis do consumo”. Houve tempo em que se louvava o empreendedor, o “self made man”, o fundador, o pioneiro, o explorador, que por sua vez substituía o santo, o ermitão, os varões históricos. Hoje são os astros do show ou os esportis­tas, alguns príncipes dourados de feudais internacionais. Ou seja: os grandes esbanjadores.

Anuncia-se com despudor a aquisição de mansões, barcos, palácios, quintas, prédios e aviões particulares. “Todos os grandes dinossauros que entretêm a crônica das revistas ilus­tradas e da TV são sempre celebrados pela vida em excesso e pela virtualidade de despesas monstruosas”.
A indústria automobilística exerceu um papel signifi­cativo na mutação cultural – para pior – da comunidade humana. Para Baudrillard, “o automóvel surge como lugar privilegiado do desperdício diário e a longo prazo, quer privado, quer coletivo.

Não apenas pelo seu valor de uso sistematicamente redu­zido, pelo coeficiente de prestígio e de moda invariavelmente reforçado, pelas somas desmedidas nele investidas mas, de maneira ainda mais profunda, pelo sacrifício coletivo e espe­tacular de chapas metálicas, de mecânica e de vidas huma­nas que o acidente representa, um “happening” gigantesco e o mais belo da sociedade de consumo, através do qual, na destruição ritual da matéria e da vida, ela tira a prova da sua superabundância”.

É que a sociedade de consumo precisa de seus objetos para existir e sente, sobretudo, necessidade de os destruir. O uso conduz ao desgaste lento. O mais excitante é o desperdí­cio violento.

Hoje, o Uber acena com a virada de rumo. Será que a ju­ventude se conscientizará de que não é preciso ter carro para se locomover? Um dia a cidade será devolvida ao seu habitan­te e deixará de ser o espaço prioritário do mais egoístico dos meios de transporte?

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